segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A respeito de Aquarius


Então é mesmo assim, não é?! A gente tem uma vida, uma história, tem convicções, sabe o que quer, atribui valores sentimentais a casas, coisas e lugares, mas o mundo quer diferente e, de repente, acha que sabe o que é melhor para nós. Então, o mundo tenta nos convencer disso. Tenta nos provar que está certo e nos faz até duvidar de nossa própria sanidade mental. O mundo tenta nos confundir. Ele nos faz sentir inadequados. E, quando resistimos, primeiro tenta nos seduzir, se não cedemos, tenta nos coagir. Trapaceia e quer porque quer nos empurrar seu ponto de vista goela abaixo.


O mundo joga duro, joga sujo, joga pesado. Ele se aproxima dos nossos entes queridos, nos cerca de todas as formas, de sorrisos a ameaças. Não tem tempo para ouvir as nossas histórias e nem quer saber o que realmente é bom para a gente. O mundo gira, em grande medida, na frequência de um cifrão. O mundo é, muita vez, um leilão a céu aberto em que se crê que tudo na vida tem um preço.

Esta é a grande sacada de Aquarius: fazer-nos pensar naquilo que realmente importa, nas lutas que devemos travar, nas consequências das nossas escolhas, nos obstáculos que teremos que enfrentar por conta delas. O mundo representado em Aquarius é o mundo dos negócios, mas essa é só uma perspectiva dos vários mundos em que estamos inseridos. As analogias com a política, o esporte, a família, entre outras, são inevitáveis.

O mundo nos empurra como massa de manobra, segundo seus interesses nem sempre justos e lícitos e espera que ajamos segundo as suas conveniências, segundo o que é melhor pra ele. É preciso que estejamos atentos o tempo todo.

O filme é um mote para um balanço, para olharmos o mundo de fora pra dentro e analisarmos as relações que ele estabelece conosco. Para descobrirmos as sacanagens diárias que temos que enfrentar. Para aprendermos a lutar por aquilo que queremos e enfrentar as adversidades. Para lembrar das coisas que sabemos, mas que por vezes esquecemos, como o fato de que nem toda gente joga limpo, que a maioria trapaceia e, vezes, trapaceia com um sorriso no rosto, se achando muito esperta.

A personagem central, Clara, tem objetivos bem definidos, conceitos muito bem construídos e uma fibra impressionante. A escolha de seu nome certamente não é coincidência, como também não será por acaso a escolha do nome do antagonista, Diego (aquele que doutrina). Clara joga limpo e vai, dentro da licitude e da legalidade, lutando com garra por aquilo em que acredita. Mulher independente e corajosa, que aprende a duras penas que, na vida, não se pode deixar adoecer.  Clara vive os dramas da atualidade e não esmorece. Ela não permite que ponham preço em seus afetos e tem um olhar diferenciado sobre a realidade, o que me fez lembrar um poema de Affonso Romano de Sant´Anna:

“ERGUER A CABEÇA ACIMA DO REBANHO

Erguer a cabeça acima do rebanho
é um risco
que alguns insolentes correm.

Mais fácil e costumeiro
seria olhar para as gramíneas
como a habitudinária manada.

Mas alguns erguem a cabeça
olham em torno
e percebem de onde vem o lobo.

O rebanho depende de um olhar.”

Embalado por uma trilha sonora dos anos 60/70/80, o longa tem um atrativo a mais para os amantes do vinil e uma evidente relação entre as letras das canções selecionadas e os diferentes momentos vividos pela protagonista. Enfim, o filme de Kleber Mendonça Filho é um convite à reflexão e a um olhar mais amplo sobre o mundo e vem carregado de princípios sobre os quais devemos lançar luz para a escolha de uma vida melhor e para que saibamos identificar de onde vem o lobo nosso de cada dia. Vale a pena conferir.


Confira o trailer do filme:

Um comentário:

  1. Nossa! Que reflexão interessante. Hoje acordei reflexiva e seu texto veio ao encontro do que refleti (e postei). Colocações como "o mundo gira, em grande medida, na frequência de um cifrão"... "é preciso que estejamos atentos o tempo todo"... " a maioria trapaceia e, vezes, trapaceia com um sorriso no rosto"... "para que saibamos identificar de onde vem o lobo nosso de cada dia"... Não assisti o filme, mas Vou tentar. Adorei seu texto
    Simplesmente Marise Bender.

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