quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Para ela

Querida Fernanda Montenegro.

Deve ser triste descobrir na pele que aqueles que foram alçados ao poder, além de não terem cultura, não têm sequer educação. 

Vivemos tempos estranhos. Tempos em que a fantasia foi interditada. O que está liberado mesmo é o horror, a barbárie, o tiro, a pancada e a bomba.

A censura tomou novas feições e agora emana de um território muito virtual e pouco virtuoso que, infelizmente, atinge o mundo fora das telas.

Eu confesso que não havia pensado em viver tempos tão sombrios. Por alguns anos, esqueci do pêndulo da História e achei que era pra frente que se andava. Não se anda. Nem pra frente nem pra trás, ainda que estejamos retrocedendo, não estamos dando marcha à ré, o que estamos é construindo um hoje e um amanhã cheio de ontem. Um ontem que não deu certo. Um ontem que assassinou milhões de pessoas quer em câmaras de gás ou em fogueiras nas praças públicas do ódio. Sinto-nos tragados por um grande vórtice voraz de cotidianas barbaridades.

O ódio, lamentavelmente, não é novidade entre os humanos, o que a mim me causa estranheza é que ele tenha sido e venha sendo escolhido.

Acusam a vocês artistas da desconstrução dos valores familiares. Dos valores judaico-cristãos. Que valores? A hipocrisia dos homens e mulheres de bem que defendem a família tradicional brasileira, mas que têm 'namoradas' e 'namorados' fora do sagrado matrimônio?! A incoerência daqueles que pregam a fé em Deus, mas que comercializam a fé, vendem milagres e exploram a boa-fé dos fiéis?! O paradoxo de defenderem o Cristo, a mão forte do verdadeiro amor nesta terra, e pregarem a vingança em lugar da Justiça?!

Vivemos tempos surreais em que é permitido atirar em crianças até dentro do útero de suas mães, mas em que é quase crime defender a Arte.

Você sabe, querida Fernanda, quando se tenta massacrar a Arte, o que se deseja é matar as sensibilidades. Porque numa sociedade insensível, qualquer barbárie é permitida.

Vivemos o tempo do absurdo na carne. Já foi tempo que o absurdo era vivenciado nos palcos.

Mas volvo minhas esperanças para as palavras de Marieta Severo, que diz que a Arte sempre ressurge, e para os versos de Drummond que anuncia que flores brotam no asfalto, apesar do pasmo, apesar do asco, apesar da náusea. 

Haverá um tempo de gente mais ensolarada e educada, que jogará baldes d'água pra apagar o ódio e, em lugar de balas -  doces ou mortais - cobrirá de livros as nossas crianças.

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