sábado, 27 de outubro de 2018

A você que não se vê em risco


De certa forma, a luta de hoje me lembra a luta contra a Aids lá do início da epidemia. Explico-me: como as pessoas não se enxergavam em risco, visto que inicialmente a doença era atribuída a homossexuais, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo, não tomaram atitudes para a sua prevenção. Resultado: a epidemia se espalhou entre homens, mulheres e tantas outras categorias. Hoje a Aids é uma doença que atinge de forma igual todas as categorias e todas as classes sociais. Felizmente, hoje a Aids é uma doença crônica e contra ela há medicamentos eficazes. A Aids tem tratamento.
A luta de hoje é contra a ascensão do fascismo. Muita gente não enxerga o risco que está correndo e, por isso, não toma um posicionamento, uma atitude a favor da Democracia e contra a epidemia fascista. Hoje você não é negro, não é gay, não é artista, não é professor, mas você não se encerra em você. Ou você é tudo ou parte disso, mas não crê que o fascismo o esteja rondando.
Você tem filhos, tem netos, tem sobrinhos, tem amigos. Eles podem ser negros. Seus filhos/sobrinhos/netos podem se apaixonar por negros. Você pode ter descendentes negros/seus amigos podem ter filhos negros. Alguns de seus amigos são negros, alguns dos filhos dos seus amigos também. Apesar da educação heteronormativa que receberá, seu filho pode ser gay (quantos filhos de casais hétero são), sua filha pode ser lésbica, trans, travesti. Seus filhos/sobrinhos/amigos são/podem ser artistas e professores, e estarem impedidos do exercício de sua profissão com Liberdade. Você mesmo pode ser atingido por possuir qualquer uma dessas qualidades. É  mesmo um mundo, um Brasil de intolerância que você quer pra todos eles, pra todos nós?! É um Brasil de intolerância o que você quer para você?
A campanha do candidato do PSL tem se mostrado inclinada ao fascismo. Quem nos disse isso foi a Justiça brasileira, quando mandou tirar uma faixa antifascismo da fachada da Universidade Federal Fluminense, sob a alegação de que ela feria a campanha de JB. A faixa não fazia qualquer menção a tal candidato que disputa a eleição à Presidência da República. Por que alguém que defendesse essa campanha se incomodaria?
Você já parou pra pensar que, a partir de amanhã, a existência, a liberdade de todas essas pessoas/classes pode estar ameaçada? Você já parou pra pensar que a sua existência pode estar ameaçada também? Ao contrário da Aids, contra o fascismo não há medicamento. O fascismo mata! No entanto, contra a ascensão do fascismo no Brasil há uma possibilidade de vacina: o voto na Democracia. Você está mesmo decidido a se calar diante disso?! Ou o que é pior: você, que é da paz e do bem, está mesmo decidido a votar num candidato fascista?!
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Leia a matéria sobre a retirada da faixa:
https://oglobo.globo.com/brasil/juiza-eleitoral-determina-retirada-de-faixa-uff-antifascista-de-universidade-23186076 


O Brasil está um país bipolar


A mim me custa ver a cegueira que acomete a justiça brasileira. Não pelo fato da imparcialidade, o que justificaria a venda nos olhos, embora não justificasse cegueira, já que há muitas maneiras de ler o mundo, mas pelo fato de ela ainda não ter percebido/lido/entendido que, se as instituições estão fortes e se esse discurso de ódio não atinge a justiça e os magistrados, ele atinge em cheio a população do país.
Imagem disponível no Pisabay
A justiça brasileira ainda não viu que uma parte imensa da população está absolutamente dividida entre a depressão/ansiedade e a euforia. Uma parte está horrorizada com o discurso de ódio proferido pelo candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro e outra parte está eufórica pelo mesmo motivo e, por isso, tem extrapolado em medida muita os limites da educação e da razoabilidade. A todo o momento, os consultórios de psicologia têm recebido pacientes deprimidos, ansiosos, apáticos, abatidos.
Há, ainda, outras partes do todo brasileiro que não se encaixam na majoritária bipolaridade. Aqueles que estão vendo a grave situação por que passa o Brasil, que percebem os efeitos negativos daquilo que se aproxima, que notam e que também sentem o impacto violento da onda de ódio em que quase a totalidade da população está mergulhada, não estão deprimidos nem eufóricos, contudo tomados por uma tristeza lancinante. Estão permanentemente em estado de dor.
Há os que percebem e estão paralisados de medo, tentando decidir entre dois grandes medos que sentem ou querendo se abster de decidir. Há os que se abstêm de decidir sem medo.
Há os que não percebem a real gravidade dos fatos que se anunciam, haja vista que não foram atingidos pelo impacto das notícias da explosão de agressividade que se desprendeu das urnas, logo após o resultado do primeiro turno ter sido anunciado. É inegável que houve os ataques violentos por todo Brasil, resultando até em mortes de algumas pessoas que não votaram em Bolsonaro. Homossexuais foram agredidos. Mulheres têm sido constrangidas. Para alguns, nada disso parece fazer sentido e para outros não parece incomodar.
Há muitos e diversos motivos para que as pessoas não percebam seu entorno e não façam a leitura correta dos acontecimentos, o analfabetismo funcional de que se tanto fala pode ser uma dessas razões, mas não será a única. O fato é que não compreender o discurso dos candidatos que disputam um pleito, este especialmente, é realmente um grande perigo. Vale dizer que, de modo especial, não compreender o discurso do candidato do PSL pode ser um risco um tanto acrescido. A fé cega em um líder é coisa que impede os cidadãos de autonomamente questionarem qualquer “verdade” dita por seu, nesse caso não líder, mas ídolo é outro fator a ser apontado. Há também a manipulação pela fé religiosa por meio de lideranças que são notoriamente figuras sem compromisso com a ética ou  com o bem- estar de seus fiéis (notem bem: fiéis). Há outras possibilidades. Não vou enumerá-las todas e nem saberia esgotá-las.
Há, ainda, os eleitores de Bolsonaro que acreditam que o Brasil melhorará sob seu comando e votam nele, simplesmente, por essa razão, são eleitores que prezam o convívio pacífico entre as pessoas. Foi questão de escolha, opinião, preferência. Tudo certo. Ainda que não concorde com a escolha, respeito sobremaneira o direito de eles votarem no candidato que desejarem. Afinal, o respeito às divergências é o cerne do processo democrático.
Há uma infinidade de variedades e matizes que, de forma alguma, compõem a maioria da população. A imensa maioria do povo brasileiro está, como  demonstraram as urnas e têm demonstrado as pesquisas, polarizada. Dentro da maioria eufórica, que é composta por eleitores do candidato que se projeta para a vitória no próximo dia 28 de outubro, há uma fatia de que não consigo precisar a medida nem aproximada que consegue ler o perigo, que concorda com o padrão violento do discurso que tem seguido e que se sente mais e mais empoderada a cada discurso proferido por seu ídolo, por seus correligionários e por alguns de seus apoiadores. É nessa fatia que mora o perigo. É precisamente nela que devemos nos focar nesse momento, tendo em vista que é ela que pode agir violentamente a partir do fortalecimento desse discurso.
A justiça, com a devida vênia, pode até ser cega, mas não pode cerrar os ouvidos aos efeitos de depressão (entre os que fazem oposição ao candidato) e euforia (entre os que o apoiam) que o discurso de ódio do candidato do PSL tem provocado na população.
Quando a justiça não coíbe essas falas, ela passa para a população a sensação de que as está referendando para o mal e para o mal. Não há qualquer efeito positivo em deixar passar essa sensação de normalidade do discurso do candidato do PSL para nenhum brasileiro, quer seja ele de esquerda, de direita, de centro, neutro ou não faça qualquer ideia do que seja isso.
Grafei a palavra justiça com letra minúscula para salientar como uma grande parcela da população, e eu me incluo nela, tem visto a justiça brasileira. Precisamos de uma JUSTIÇA MAIÚSCULA, que nos dê, como cidadãos brasileiros que somos, a sensação da verdadeira Justiça e algum sentimento de segurança. Por ora, o sentimento é desamparo.

domingo, 7 de outubro de 2018

De mãos dadas

Imagem disponível no Pixabay
Sei que muita gente fica incomodada de falar de política, eu entendo. Entendo mesmo. Eu também estou exausta. Exausta! Mas o momento pelo qual estamos passando é grave demais para não falarmos sobre isso. Se nos calamos agora, podemos ser calados amanhã. Nós, nossos amigos, nossos filhos, nossos conhecidos, nossos familiares e tanta gente que nem conhecemos. Isso não é nada bom! Isso é duro demais!
Nossa decisão nas urnas pode significar o fim da livre expressão dos nossos pensamentos e ideais. O risco é real. É bom que tenhamos consciência disso. Vamos falar de política hoje para garantir o nosso direito de falar de amor, de flor, de música, de Arte, de Filosofia, de Sociologia, de religião e tantos outros assuntos amanhã.
Nossa decisão nas urnas (nas urnas, gente! Eu nasci num país em que não se tinha o direito de escolher seu presidente) pode significar o aumento da intolerância, da truculência, da violência. Pode mesmo! Para combater a violência, eu não quero viver num país de justiceiros, eu quero viver num país em que haja Justiça. Eu não quero ter o direito de pegar em armas para me defender. Eu quero ter uma polícia estruturada, equipada, treinada, trabalhando com dignidade por mim, por você, pelo próprio policial. Eu quero investimentos na área de Segurança Pública. Por nós e pelo policial.
A concordância do candidato do PSL com a exibição da sua entrevista exclusiva no mesmo horário do debate da maioria dos outros candidatos à Presidência da República num outro canal de TV, me ajudou a despertar de um transe. Temos sido sequestrados pelo discurso da violência e do ódio. Sequestrados! Ao exibir sua entrevista no mesmo horário do debate dos outros candidatos e estimular a concorrência pela audiência entre os eleitores dele (vamos estourar essa audiência, diziam muitos deles) ele impediu que seus eleitores sequer fossem expostos a falas diferentes das suas. Sequer ouvissem discursos diferentes do seu. Além disso, com essa postura, mandou um recado àqueles que não votam nele de jeito nenhum. O recado de que com eles e para eles não quer nem se dar o trabalho de falar. Ele não está nem aí para os que pensam de modo diferente do dele.
Notem: não estou falando que ele tivesse condições de saúde para participar do debate. Não estou sequer questionando se isso seria possível. Estou falando que, se ele fosse uma pessoa que prezasse a democracia, teria solicitado à emissora que o apoia que a exibição de sua entrevista se desse num horário diferente daquele do debate com os outros candidatos.
Eu quero investimentos na área de Educação. Uma Educação para o exercício da cidadania, coisa que só é possível com a formação de consciência crítica. Eu quero a formação de sujeitos cheios de autonomia e liberdade, para o pleno exercício de suas escolhas. Discursos monocórdicos não primam por produzir reflexões nem sujeitos capazes de ler o mundo. Para isso, é preciso pluralidade. Educar para a Liberdade?! Sim, hoje e sempre! Até para que possam pensar diferente de mim.
Trabalho nas áreas de Educação e da Saúde. Sei bem o tanto de doenças e ferimentos que o discurso intolerante pode produzir. Como agradeço a oportunidade de trabalhar há mais de 20 anos no Programa de DST/Aids e Hepatites B e C! Hoje ele tem outro nome, mas quero usar o nome antigo mesmo. Como cresci vivendo essa luta! Eu quero investimentos em Saúde, inclusive em saúde mental, área tão fundamental e tão desprestigiada no campo da saúde pública.
Não podemos desperdiçar energia travando batalhas de ódio na internet ou em qualquer outro lugar. Violência gera violência. Não podemos ser sequestrados pelo discurso de ódio. Precisamos de atitudes afirmativas em relação às nossas escolhas. Divulgar matérias de conteúdo verdadeiro e produzidas por fontes confiáveis que evidenciem os riscos reais que estamos correndo, pode ser muito mais produtivo do que discutir com o ódio e a violência de alguns dos eleitores daquele candidato nefasto. Observemos que nem todos os seus eleitores são violentos. Há entre eles, inclusive, pessoas que eu amo imensamente e que sequer percebem ou acreditam que defendem um candidato que não exitaria um segundo em nos agredir - pelo menos verbalmente - pelo simples fato de pensarmos de modo diferente do dele. Muitos nem acreditam que ele defende a tortura. Há, claro, aqueles que destilam o ódio. Hoje, especialmente, não podemos perder tempo com eles em discussões inférteis. Discussões inférteis servem apenas para drenar as nossas energias e para nos fazer mal.
Também creio que não podemos morder a isca de combater aqueles que não compactuam com o discurso do candidato do PSL, mas que pensam diferente de nós. Quando atacamos e desrespeitamos os nossos aliados, enfraquecemos a nossa luta. Depois a gente senta, diverge, até briga, se for esse o caso (só pra fazer as pazes depois). Neste momento, não. Sigamos juntos! Sigamos resistindo com amor, determinação, garra e proatividade. Sigamos com atitude e Esperança. O momento é grave. Estamos todos no mesmo barco. Lembremos do poeta: O presente é tão grande. Não nos afastemos. Não nos afastemos muito. Vamos de mãos dadas.