domingo, 23 de julho de 2023

Olhares sobre a finitude

Já faz algum tempo, a novela das 19h, "Vai na fé", vem tratando da finitude da vida. Com delicadeza e humanidade o tema entrou em cena pelas palavras de um médico ao revelar o duro diagnóstico à personagem Dora: um câncer agressivo e incurável.

A trama abordou a tristeza do companheiro de Dora, o sofrimento de sua filha e a busca pelo equilíbrio da própria personagem para viver seus dias até o fim, através de cuidados paliativos.

Foi desse modo que também o público veio sendo preparado para a partida da hippie: com cuidados. Com a exposição à realidade numa aura sensível que dava mais luz aos desejos humanos de Dora do que à doença em si mesma.

A aproximação do núcleo cômico ao núcleo alternativo e, a essa altura, dramático da história tornou a despedida mais leve e terna. Sobretudo com a proximidade de Lui Lorenzo com sua música sem compromisso, seu jeito apaixonado e sua quase ingenuidade extemporânea disposta a realizar os desejos daquela que se aproximava do desencarne.

Em tudo a terra, a arte e a fé estiveram presentes nesse desenlace  entre o mundo físico e o impalpável. Teatro e música. Religião e crença. Natureza e meditação. Fantasias e carnaval.

Não à toa a cena encerra-se com uma cerimônia para o espalhamento das cinzas da mulher/mãe/amiga por um canteiro de flores. Do pó ao pó nas asas de um passarinho e nos beijos de um beija-flor,  Dora foi semeada exalando energia e amor, enquanto cada gesto, verso, canto, rosto de cada personagem revelava saudade e respeito. Foi lindo.

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Fé na vida

Já faz algum tempo, venho acompanhando com certa regularidade os capítulos de "Vai na fé", a novela das 7h exibida na Globo.  Ela tem uma sutileza admirável para abordar certos assuntos que, no mais das vezes, são tratados pela superfície ou beirando  o grosseiro.

Hoje foi dia de bolhas de sabão. Coloridas. Saídas de um  canudo de mamoeiro que bem faz parte da minha tenra realidade infantil. Bolhas multicoloridas para simbolizar a vida breve, frágil e bonita de cada um de nós. Foi dia de ver as cores estourarem no ar ou morrerem no chão. Dia de realizar a finitude como dor espanto, beleza, inevitável.

Também foi dia de verdade. Kate, finalmente, revela-se para Rafa. Primeiro o corpo nu para os flashes da câmera. Depois os corpos revelando a nudez absoluta, entrega física e emocional de amantes que se desejam. Um pouco mais adiante a alma sem roupas em pleno desassossego. Revelação.

Dia após dia, a novela vem me acrescentando músicas da juventude, alegria das refeições em família, excertos de peças teatrais e romances. 

Por falar em música, como não lembrar da despedida entre Theo e Rafa cantando Cazuza em "Mal nenhum"? E como não valorizar a passagem do tempo representada pelos vários núcleos do folhetim entoando o "Tempo Rei" de Gilberto Gil?  Tudo é um caso de amor com a música.

Tudo vai na fé.

Religião?! Tem também. Um núcleo evangélico ensoando hinos de fé e esperança, e um protagonista que segue e honra a umbanda, tendo uma mãe de santo que o guia diante das situações duvidosas da vida.

Os conflitos da adolescência e juventude. A futilidade do mundo virtual. As relações com pessoas do mesmo sexo. As novas configurações familiares. A diversidade. O respeito. O subúrbio. A Zona Sul. A preocupação de quem tem contas a pagar. 

Os relacionamentos abusivos. O perfil do abusador.  A culpabilização das vítimas. O esforço interno de cada uma para buscar Justiça. O joio e o trigo.

Todo dia eu acho que "Vai na fé" é uma novela, mas ao término de cada capítulo, eu vejo o retrato da vida real  com receitas pra buscar o melhor e o justo.