segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Urgências artificiais

Sábado passado, saí para fazer registros da primavera em Petrópolis que, de antemão, posso  que está lindíssima. Como tivesse outras coisas para fazer e tivesse deixado para sair um pouco mais tarde por conta do calor, cheguei aos jardins mais fotogênicos da cidade já com o sol à meia-cortina. Nada que me impedisse de fazer os registros com as retinas e de  marcar mentalmente os pontos que mais me encantaram para fotografar depois.

De carro, me pus no caminho de volta para casa, não sem antes dar conta de uma listinha de compras que não tenho como fazer durante os dias da semana. Pelo caminho, vim contemplando as nuances da estação recém-inaugurada, aproveitando cada minuto para contemplar as belezas do entorno a mim.

Pois foi quando entrei na loja para comprar o que precisava, que fui catapultada para o futuro. Sem aviso prévio nem anestesia: o estabelecimento era todo Natal, com direito a músicas temáticas etc e tal.

O Natal costumava chegar mais tarde em outros tempos. Agora nem o Dia das Crianças parece bastante forte para evitar que ele ocupe as vitrines e prateleiras em pleno mês de s-e-t-e-m-b-r-o.

Foi um susto. Susto mesmo! E não foi só no sentido conotativo. Passei na frente de um "Papai Noel" à meia-distância e o dito cujo começou a reproduzir o som de um sax (desafinado, coitado!).

Olhei ao redor: tudo era vermelho. Coisas bonitas e muito sedutoras. Quando dei por mim, tinha embarcado nessa locomotiva chamada técnica de venda, que quer a todo custo nos levar para um tempo ainda adiante de nós o tempo todo. A bordo dela, não há ponto de chegada. Há sempre uma cenoura pendurada na ponta da varinha nos prometendo satisfação.

Peguei minha lista. Ajustei meu foco. Comprei o que precisava e desembarquei desse trem-sempre-à-frente-do-momento-presente para o bem do meu relógio biológico e antes que descarrilasse em mim a primavera que eu começara a curtir havia menos de 24 horas.

Faz muito tempo que sinto e me incomodo com a intensidade da necessidade desse porvir inventado que o mundo implanta em nós. Estamos sempre esperando alguma coisa. Malsatisfeitos. Perdendo o sabor das refeições por ansiar pelas sobremesas num atropelo que parece não ter fim.

Parece. Afinal, não somos obrigados a viajar nesse ritmo ditado pelo comércio. Respirar e aproveitar o tempo é muitas vezes possível. Enxergar as estações da vida pode ser bem saboroso. Mesmo que haja saltos, sustos e solavancos (são inevitáveis, mas raramente temos controle sobre eles). Um dia após o outro, 365 dias por ano, com 12 meses no meio e divididos em quatro estações.

E viva a Primavera!

📷 Disponível no Pixabay

domingo, 17 de setembro de 2023

As lições de Manuela

Há dez anos, recebíamos a notícia de que nosso gatinho havia nascido,  de cor preta, muito aguardado e ficamos bem felizes esperando o seu crescimento para que ele pudesse vir, enfim, morar conosco.

Um tempo depois, fomos informados de que o gatinho macho da ninhada era branco com apenas um chumacinho de pelos pretos no topo da cabeça. Não ligamos para isso e reforçamos nosso desejo de adotá-lo. 

Tendo sido desmamado e passando a comer ração sólida, Frederico chegou a seu novo lar cheio de privilégios e fazendo muitas gracinhas. Como era pequenino o bichano! Por esse motivo, dormia comigo todos os dias e recebia todos os mimos a que faz jus um mascote.

Nosso gato chegou em um fim de semana e foi levado à veterinária logo na semana seguinte. Depois de passar pelos exames físicos e de tomar as vacinas indicadas, fomos notificados de que ele era ela, uma gatinha charmosa, toda branquinha e com uma  pinta preta no meio da testa. Desse modo, saímos de casa com o Frederico e voltamos com a Manuela. Nada que fosse capaz de abalar ou diminuir nosso amor por aquele serzinho.

Aos poucos, aquela pequena foi nos fazendo aprender sobre o mundo felino, suas diferenças, suas manias e suas graças. E conquistou-nos desde o primeiro contato. 

Nunu, um dos apelidos carinhosos que demos a ela, nunca foi chegada aos excessos de carinho. enche a casa de alegria, faz charme e, a seu modo, é super afetuosa. Curte um cafuné, um colo rápido e adora dormir acompanhada, mas impõe claramente os seus limites.

Manu é dessas criaturas que nos fazem entender  todos os dias que ninguém veio ao mundo para atender às expectativas de ninguém, mas para ser autêntico e, assim sendo, conquistar ou não  os corações aos quais se expõe. A última coisa de que faz questão é agradar todo mundo.

E assim, esperávamos um gato preto de olhos amarelos e ganhamos uma gata branca de olhos azuis e com uma belíssima pinta preta no focinho.. E nada disso nos impediu de amá-la (nem mesmo nossos sofás pedindo socorro). Somos completamente apaixonados por ela. Nesta vida, o que importa mesmo é a essência. Parabéns, Manu!

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Sinais do tempo

Quando as copas das árvores da Praça da Liberdade acordam amarelecidas e há um tapete de folhas bronzeadas sobre o solo, é sinal de que o inverno se despede.

É possível ler o tempo nas folhas das sapucaias verdes, amarelas, marrons e púrpuras ou rosa-avermelhadas. São estações de cores que sinalizam as estações do ano, como se fossem relógios poéticos a mostrar que a ampulheta da vida está sempre em movimento.

Hoje à tarde, saí para colher fotos da praça em festa e me deparei com uma profusão de imagens e de sons: crianças correndo atrás de bolas, pais fazendo bolhas de sabão, um drone aterrissando no meio do jardim, meninas andando de patins e bicicletas, cachorros rolando no gramado. A proximidade da primavera parece mudar o astral serrano e verter alegria pra todo lado. Degusto.

Flagrar a estação das cores na praça requer atenção e agilidade. As copas das árvores trocam de roupa em questão de dias e nem sempre há sol o bastante para iluminá-las e mostrá-las em sua melhor versão. É o tempo passando voraz e apressado. Fiz o melhor que pude.

De repente me dei conta de que as roupas para o frio de dias atrás deram lugar aos shorts, bermudas e camisetas para aproveitar o calor generoso do domingo à tarde _. As pessoas estão leves e felizes. Sinto o vento tépido no_ rosto e sorrio. Cheiro de primavera chegando é como comida bem feitinha no fogão à lenha:  manifesta fome.

Fome de banho de mar. De pôr de sol na estrada. De café quente de manhã cedinho. De balanço na rede da varanda. De conversa boa com amigos num jardim. De abraço dos amores da vida da gente. Fome de um dia após o outro com vinte e quatro horas no meio. 

Quando as folhas se espalham pelo chão em qualquer estação é sinal de que devemos bem-aproveitar os dias para eternizá-los em nossas vivências. Há sempre alguns mistérios e belezas insondáveis que não se revelam em fotografias.