segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Alvíssaras!

O Bingen é um bairro petropolitano aprazível e acaba de  receber uma notícia bastante alvissareira: ganhará uma praça. Sim, fui buscar um adjetivo lá no fundo do baú para combinar com o tempo que se espera a sua construção. Lembro-me da comunidade reivindicando esse espaço desde a infância.

Embora não pudesse começar esta crônica sem contar tal novidade, a notícia que tem feito meus olhos brilharem nos últimos dias tem nome e cor: um enorme flamboyant vermelho floresceu na localidade do 17.

Um flamboyant. Enorme. Com flores vermelhas. No 17.

Dezessete era o número dado ao ônibus que fazia a linha Bingen no século passado e que acabou por batizar o lugar em que ficava o seu ponto final.

Conquanto eu tenha contemplado as flores vermelhas desta crônica muitas vezes no trajeto entre a  casa e o trabalho, somente pude parar e  fotografá-las ontem ao final da tarde. Pra mim, que sempre gostei de fazer fotos de flores em dias azuis, o fato de fotografar quase na boca da noite teve um quê de desafio. Fiz o registro possível.

Uma árvore frondosa. Como posso não tê-la notado nos anos anteriores, não sei.  Talvez sua florada tenha sido mais explícita desta vez ou, quem sabe, seja esta a  primeira vez que floresce. O certo é que ela está lá faz tempo e agora, apesar do clima enlouquecido aqui na serra, se vestiu de flores para o Natal.

A vida, ás vezes, é feito um frondoso flamboyant. Fica bem quietinha e, sem mais nem meio mais, nos faz uma surpresa. Uma flor aqui, um amor ali, a vista de um chalezinho no topo da montanha. Até quem nasceu e foi criado no mesmo bairro e transita por ele todos os dias está sujeito a uma revelação no caminho.

E, por falar em revelação, hoje é dia de lembrar Daquela que há mais de dois mil anos se mostra e nos oferece a oportunidade de florir fraternalmente em qualquer época do ano.

Hoje é Natal. Passada toda a euforia das compras, presentes e banquetes, é dia de lembrar das propostas de um aniversariante que não quer regalos para si, mas que continua propondo o amor e a partilha como receita para um mundo melhor.

Feliz Natal!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Das pequenas rebeldias do dia a dia

Tinha  sido um dia de extrema tensão. Estava exausta. Mas, diante do deserto instalado na geladeira e nos armários, precisava ir ao mercado.

Em geral, supermercados, lojas e afins não são de fazer minha cabeça e, se eu não estiver vestida confortavelmente então, eles constituem um verdadeiro suplício.

Bora lá procurar uma roupa confortável para ir às compras. Escolho um vestido larguinho e comprido e como, todo mundo tem direito a uma rebeldia inofensiva de vez em quando, fui de chinelo de dedo.

Só quem nasceu em Petrópolis ou mora aqui há bastante tempo sabe o que isso pode significar: uma chuva de narizes torcidos e caretas capazes de enrugar as testas mais enrijecidas de botox. Afinal, quem ousa sair com um par de havaianas numa cidade em que os sapatos do imperador eram tão ricamente bordados?

Voltemos ao mercado. Eu sei que a sociedade teve que evoluir uma enormidade para que tenhamos a nossa disposição grandes salões arejados e frescos repletos de bancas, gôndolas e prateleiras.   Tudo arrumadinho e dividido em seções nos oferecendo uma porção de coisas de que realmente precisamos e um tanto de outras que nem tanto. E, não duvidem, valorizo imensamente essa organização e essa praticidade toda.

Já tentei encarar a ida ao mercado das maneiras mais diversas para tornar o fastio que sinto em coisa melhor, mas ainda não havia tido sucesso.

Dessa vez ia ser diferente com o mercado e com os calçados. Ao invés de olhar nos olhos e receber as mais duras críticas imperiais, ia olhar para os pés à procura de alguma rebeldia que pudesse combinar com a minha.

Encontrei. Havia naquele mercado, alguns pares de pés enfiados em chinelos nem aí para o que diriam aqueles que se pusessem a julgá-los. Vibrei.

Tudo bem que eram, em sua maioria, do sexo masculino e que para os homens geralmente é mais fácil romper com esse tipo de regra social. Mas havia ali alguma insubmissão feminina também. Havia moças e mulheres andando com os pés desnudos num chinelinho de borracha sobre aquele chão de belíssimo granito. Éramos só conforto.

Os tempos estavam mudando.

E, por falar em tempo, o tempo passou que nem vi. Olhei para o carrinho de compras, tudo o que precisava já estava lá.

Passei no caixa, paguei e pensei: vim, vi e venci. Evoé! As livrarias que me esperem.