Numa sala de aula, a
professora de Filosofia da filha de uma das minhas amigas – com toda a distância que essa
descrição sugere, já que da educadora não sei sequer o nome - passou uma tarefa para
casa: assistir a um determinado filme em companhia da família. Cumpridora de
seus deveres e parte integrante de um núcleo familiar amoroso, atento e atuante
em tudo o que diz respeito a sua educação, a jovem realizou com prazer e louvor
o trabalho proposto pela escola (isso nem sempre é possível). Assistiu à película,
conversou longamente sobre ela com os pais e juntos analisaram, interpretaram,
criticaram, apreciaram, trocaram.
No trabalho, durante o
almoço, a mãe da menina repartiu a experiência. O papo
esquentou, a conversa fluiu. Resultado: saíram todos da mesa com uma vontade
imensa de devorar a obra cinematográfica em questão, meu inclusive. Bastante inquieta e curiosa,
tratei de me movimentar e assistir a Para sempre Alice, um filme baseado no livro de Lisa Genova, que foi produzido em
2014 e ao qual, por uma razão ou por outra, ainda não tinha assistido.
O longa, que deu o Oscar
de melhor atriz a Julianne Moore pelo papel de uma renomada linguista que sofre
precocemente do Mal de Alzheimer, põe o espelho diante de
nós, reflete e nos faz refletir sobre a possibilidade de um dia perdermos nossa
autonomia, nossa identidade, nossas marcas registradas. Trata da nossa finitude sem se ater ao
inexorável destino que teremos todos nós. Ao contrário disso, fala das diversas
mortes possíveis de se experimentar ainda em vida: a morte da memória, dos
desejos, da consciência e do embotamento da inteligência. Diz sobre a morte
social, sobre o fenecer dos vários papéis que exercemos ao longo da vida. E do
nosso nascimento em outros papéis muitas vezes desconfortáveis em face de uma doença. Além disso, olha de maneira sensível e competente
para a reação daqueles que estão em torno de nós em cada um desses "falecimentos".
Das dificuldades de lidarem conosco e com eles mesmos diante dessas situações.
Das angústias de ser cuidador.
Para sempre Alice é,
antes de tudo, uma belíssima reflexão sobre a impermanência. Sobre o fato de sermos
todos os dias um pouco novos, um pouco outros de nós mesmos, para o bem e para
o mal. Dependendo da situação. É também um nítido retrato da necessidade de nos
movimentarmos para a adaptação e o convívio com as novas situações. É, sobretudo,
a exposição clara e inequívoca de que não temos o controle absoluto de nossas
vidas em nossas mãos. De uma hora para outra, tudo pode mudar. Enxergar isso
pode ser um diferencial na hora de eleger nossas prioridades. Pode nos fazer
buscar a essência.
Ao falar sobre as perdas
e limitações impostas pela doença de que sofre a protagonista, o filme nos aproxima sensivelmente daqueles que somos hoje e nos faz querer viver melhor a partir de
já, de ontem se fosse possível. Fixa-nos um pouco mais no presente e nos
transforma um tanto. Aproxima-nos dos nossos afetos, dos nossos amores, de tudo
o que nos é caro. Avizinha-nos do valor que tem nosso tempo.
O discurso de Alice para uma plateia de médicos em um congresso é um dos pontos altos do filme. Vemos
ali toda a riqueza de seu intelecto a serviço da melhor qualidade de vida para
ela mesma e para os que a cercam. Convivemos com os mecanismos criados por ela
para, dentro do possível, vencer os limites impostos pela enfermidade que a acomete. Experimentamos seu
sentimento de perda, sua consciência
sobre tal agravo, sua coragem para o enfrentamento do problema e sua luta.
Deparamo-nos com a generosidade de alguém que quer, com a sua história,
contribuir para a maior compreensão dos sentimentos e o melhor atendimento de
portadores da mesma doença. A cena do discurso de Alice é daquelas que devem
ser revisitadas de vez em quando. É um tremendo estímulo para
valorizarmos cada momento vivido, já que a vida é o somatório de momentos
vivenciados ou não. É bom ficarmos de olho no piloto automático.
Mas você lembra onde
começou nosso bate-papo? Isto mesmo: numa escola! Nossa conversa é fruto da
tarefa proposta dentro de uma sala de aula num colégio que jamais frequentei,
reverberando aqui em casa, em você e sabe-se lá onde mais. É a Filosofia gerando
frutos e nos alimentando. Cumprindo o seu papel de contribuir para o
crescimento individual e coletivo numa onda de reflexão. A Filosofia, a
Educação e o Professor têm mesmo dessas coisas, não é à toa que metem medo em tanta gente muito mal intencionada.
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UM POUCO MAIS:
Neste link é possível baixar um excelente artigo da escritora Heloisa Seixas, Flertando com as sombras. O texto trata das dificuldades que ela teve ao precisar lidar com a mãe acometida por Alzheimer e também sobre o enfrentamento de outras dificuldades. Coincidentemente, caiu-me nas mãos enquanto escrevia essa crônica. Recomendo a leitura. Sobretudo para aqueles que lidam com essa questão.
https://www.sescsp.org.br/online/artigo/12016_FLERTANDO+COM+AS+SOMBRAS
TRAILER DO FILME:
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UM POUCO MAIS:
Neste link é possível baixar um excelente artigo da escritora Heloisa Seixas, Flertando com as sombras. O texto trata das dificuldades que ela teve ao precisar lidar com a mãe acometida por Alzheimer e também sobre o enfrentamento de outras dificuldades. Coincidentemente, caiu-me nas mãos enquanto escrevia essa crônica. Recomendo a leitura. Sobretudo para aqueles que lidam com essa questão.
https://www.sescsp.org.br/online/artigo/12016_FLERTANDO+COM+AS+SOMBRAS
TRAILER DO FILME:
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