Costumo dizer que sou
vascainíssima e tricolor por parte de filho. Pois é, sou vascaína e tenho um
filho tricolor. Quando meu menino era pequeno, costumava dar todo incentivo do
mundo para que ele fosse cruzmaltino. O pai dele, torcedor do Fluminense, nunca
fez campanha para que ele fosse tricolor, no entanto meu filho se apaixonou
pelo Clube das Laranjeiras. Uma paixão que brotou com vontade, veio legítima,
cresceu, tornou-se amor.
Desde muito nova me encantei com
o futebol. Sempre achei um esporte lindo e vibrante e, desde que tenho notícias
de mim, torço pelo Vasco da Gama. Foi herança genética, veio no DNA: pai e mãe
vascaínos, ainda que seja neta de vascaínos e botafoguenses.
Quando pequena, fui levada por
meu pai ao Estádio Atílio Marotti para assistir, pela primeira vez, a um jogo
do Vascão. Serrano 1 X Vasco 3, já faz
tanto tempo! Caramba! Naquela época o Acácio ainda fazia parte da equipe do
Leão da Serra, um goleiraço. Foi em 1980, mas me lembro com detalhes do
fascínio que a vibração da torcida, especialmente a cada gol, despertava em mim.
Fiquei apaixonada. Eram cantos, gritos,
batucada e havia um monte de xingamentos com “palavras feias” que, naquela
época, meninas educadas não deviam pronunciar nem nos estádios. Já naquela ocasião
achava aquilo muito interessante, embora não soubesse o porquê e confesso que
tive que me conter. Hoje sei que o ímpeto de gritar também estava ligado ao
efeito catártico que aqueles gritos proporcionam.
Em outra oportunidade, meu pai
veio a casa me buscar para ver um jogador do Vasco de pertinho. Ele estava aqui
bem próximo de casa e eu, ansiosa e eufórica, levei minha camiseta do clube
para um autógrafo, o único que pedi a jogadores de futebol. Era um cara
altíssimo, tímido, mas simpático, que me cumprimentou educadamente e escreveu
na pequena camisa: “Abraços do Acácio”. Sim, aquele goleirão agora jogava no
meu time e era destaque nacional. Adorei! Tenho a camisa até hoje!
Voltando ao início do texto,
Leonardo era ainda um garotinho quando me disse que torcia mesmo era para o
Fluminense, era este o seu amor, o que me convenceu de que time não se escolhe,
que essa paixão flui naturalmente. Desde
então, minha postura mudou completamente. Cessei os apelos para que torcesse
pelo gigante da colina e começaram a aparecer as primeiras camisas do Flu aqui
em casa. O filho foi crescendo e, como era da sua vontade, foi matriculado na
Escolinha de futebol do tricolor aqui em Petrópolis. Pequeno ainda, eu o levei ao Maraca para visse
o time dele jogar. Três gerações no Maracanã: ele, eu e minha mãe. Como era da escolinha, entrou com os
jogadores. Fluminense X Santos. Foi emocionante. Daí em diante, sempre que
podíamos, lá estávamos no Estádio Mário Filho torcendo juntos para o
Fluminense. Eu o acompanhei muitas vezes para ver o Flu, assim como ele a mim
em alguns jogos do Vasco, inclusive em São Januário. Sempre torcemos juntos,
com imenso respeito um pelo outro.
Leo é tricolor, filho de mãe
vascaína e pai tricolor, neto de vascaínos e tricolores, bisneto de vascaínos,
tricolores e botafoguenses, sobrinho e primo de vascaínos, tricolores,
botafoguenses e flamenguistas, amigo de uma galera que torce pelos mais
variados times de futebol. Isso é maravilhoso!
Claro, rolam inúmeras
brincadeiras, especialmente no grupo da família no WhatsApp. Tudo na maior
harmonia, felizmente. Rimos, brincamos e eu não perco tempo desqualificando o
time alheio, prefiro declarar o amor pelo meu clube na alegria e na tristeza, como
acho que tem que ser.
Pra qualquer um que tenha essa
relação de amor com o futebol, receber a notícia de que alguém foi morto porque
pertencia a essa ou aquela torcida causa mais que um impacto, um ferimento, uma
dor profunda.
Nos últimos dias, acompanhamos a
discussão e a batalha judicial sobre ter ou não ter torcida única no Fla X Flu
desse domingo. Depois do clássico do dia 12 em fevereiro último, em que jogaram
Botafogo e Flamengo, parece que soaram as sirenes de que algo vai mal entre as
torcidas dos clubes de futebol no Brasil. Uma morte e, pelo menos, sete feridos
no entorno do Engenhão antes da partida é um saldo difícil de ignorar. As cenas
de horror veiculadas pela imprensa ganharam o mundo e a realidade nos deu um
tapa no rosto, atingindo-nos violentamente. Pois é, vamos combinar, as sirenes
da preocupação soaram já bastante atrasadas. A violência entre torcidas dentro
e fora dos estádios já vinha mostrando sinais e sintomas há muito tempo. Basta,
como dizem por aí, “dar um google” para que sejam listados episódios e mais
episódios de violência e morte entre torcedores dos mais variados clubes do
Brasil. Sim, essa violência não é prerrogativa de uma só torcida, mas em todas
elas há membros e núcleos violentos que, lamentavelmente, soltam suas
bestas-feras e executam indivíduos com essa ou aquela camisa por aí.
Da arquibancada da minha casa
venho percebendo a presença dessa patologia há anos. Assim como eu, muitas
outras pessoas também. É daqui que também observo as tomadas de decisão e as
tentativas para solucionar essa questão tão urgente e complexa. Não sei qual
seria a melhor saída, mas já é hora de saber que não há solução mágica, não há
solução simples, não há solução rápida. Segurança é essencial, mas só ela não resolve.
Os gatilhos estão postos dentro de grupos, de indivíduos e de indivíduos em
grupo. Combater a violência nos estádios e fora deles não é puramente um
processo mecânico: põe segurança e tudo se resolve. Aí estão os confrontos
entre policiais e torcedores para sinalizar isso. A solução para que não haja
violência entre torcidas deve ser também um sério processo de desconstrução da
violência que deve começar ontem.
Os episódios de violência entre
torcidas são o reflexo, devem-se tratar e combater as causas. Quais são elas?
Tem muita gente séria estudando o assunto. É preciso levar esses estudos em
consideração para a tomada de decisões que não sejam só emergenciais, mas que
sejam definitivas. É preciso envolver todos os atores nesse processo. Isso não
é só uma questão segurança pública, é também.
É sempre bom lembrar aos clubes
que eles precisam ter atitudes responsáveis em relação a sua torcida sempre.
Isso inclui o cuidado com as falas de seus presidentes. Um cara desses não pode
jamais perder a noção de que está falando para multidões. Assim também os
ídolos. Subestimar o valor da palavra é um erro. Supervalorizar a palavra,
outro. É importante que haja trabalhos de conscientização, manifestações pela
paz, tudo isso, mas é fundamental que se descubra o caminho para desengatilhar
e coibir atitudes que ponham em risco a vida dos torcedores.
Nós no entorno do Maraca depois de uma partida há alguns anos |
http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2017/02/1858137-com-pouca-policia-torcedores-de-flamengo-e-botafogo-se-enfrentam.shtml
Foto disponível em:
https://pixabay.com/pt/futebol-jogar-campo-est%C3%A1dio-bola-1859046/
Uma relação de respeito com os filhos é essencial para que eles sejam autênticos (e esse desafio, muitas vezes, vai além do time de futebol nao é?)
ResponderExcluirUm filho respeitado se torna uma pessoa que respeita e aí está a base dá não violência. O Léo foi um privilegiado pois a relação de vocês é de respeito mútuo.
Em relação ao futebol, eu acho triste as pessoas fanáticas a ponto de ninguém poder nem brincar sobre o seu time que é motivo de briga. Essa brincadeira tem que ser saudável, não pode ser vista como desrespeito. Ontem eu ri muito nos comentários dos grupos do WhatsApp após o jogo é brinquei também. Não é desrespeito, faz parte dá alegria do esporte desde sempre.
Eu sou uma ilha botafoguense cercada de tricolores por todos os lados.
Saudações alvinegras
E parabéns ao Fluminense pela merecida vitória!
E parabéns a você por mais essa parada na estação. Bela reflexão.
Bjuuuuusssss
Olá, Inês!
ExcluirSim, sabemos, nas relações humanas o respeito é fundamental, com os filhos não é diferente. Um exercício que nem sempre é fácil, mas fundamental. Resolvi falar sobre este assunto há algum tempo. As notícias de torcedores de Vasco e Fluminense envolvidos em episódios violentos e que resultaram em mortes de vascaínos e tricolores, naturalmente, mexeram muito comigo. Esse foi o mote, depois disso, comecei a ler sobre o assunto e fui constatando que a violência está em toda parte, em todas as torcidas, o que é tão dramático quanto inaceitável. Não que não soubesse disso antes, sempre acompanhei as notícias, mas as brigas entre as torcidas de dois times do coração causaram uma espécie de inflamação, um ferimento que não cicatriza. Não deu mais para calar, entende? Por isso fui levantando "a árvore genealógica de nossos clubes", resgatando "as nossas origens", tão ricas pela sua diversidade. Todos nós temos amigos dos mais variados clubes e isso é ótimo. Brincamos com isso, vezes implicamos uns com os outros e rimos a valer.
Com relação às torcidas, especialmente as organizadas, tem a questão do fenômeno do grupo. Um indivíduo em grupo faz coisas que muitas vezes não faria sozinho. Isso é coisa pra sociologia explicar, né? Você mesma sempre pontua isso em nossas conversas.
Também brincamos muito ontem nos grupos do whatsapp, rimos muito. Foi ótimo e está rendendo até hoje. Ser uma ilha botafoguense cercada de tricolores por todos os lados é uma delícia, não é? Você acaba se envolvendo na torcida pelo tricolor e assim soma ao invés de ficar na mesma. Sei que você curte muito.
O Flu ontem jogou muito, assim como o Fla, foi mesmo um jogaço. As duas equipes honraram suas camisas, um espetáculo.
A questão da violência entre torcidas tem que ser debatida sempre, do contrário o assunto arrefece e mais crimes acontecem.
Obrigada por essa troca tão rica, minha amiga, um beijo grande e um abraço cruzmaltino pra você.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir