terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Mas é carnaval

Eu sei, as coisas estão bem difíceis no Brasil e bastante esquisitas mundo afora, mas me rendi à alegria. Resolvi me aproximar da folia e brincar o carnaval. Isso mesmo, brincar. Como gosto de um sossego relativo, mais conhecido como bagunça organizada, procurei um bailinho bem tradicional e dancei, cantei, suei, sorri e o resultado foi a alma bem levinha. E, vamos falar a verdade, alma leve faz um bem enorme.


Para garantir a diversão, meu foco foi mesmo a pausa, a curtição, a delícia, o meu encantamento, a animação alheia e o ambiente de fantasia ao meu redor. Pais e filhos.  Avós e netos. Crianças, jovens, adultos, idosos, todos com energia de sobra extravasando o seu contentamento. Sem prejudicar ninguém, que mal tem?

Contemplar pais e filhos fantasiados, brincando juntos e entoando uma série de canções que sobrevivem ao tempo e que ainda provocam risos ou despertam sonhos tem um quê revigorante. Os adultos dançam, os jovens também e os pequeninos ficam interessados mesmo em confetes e serpentinas num joga-ri-junta-joga-ri que não cessa e não cansa nunca. Haja energia! Haja disposição! A brincadeira rende muitas gargalhadas e um sem número de sorrisos estampados nos rostinhos suados e satisfeitos. Pais, vezes, visivelmente exaustos, mas felizes. Não é para menos, os meninos estão bem, curtindo a festa vestidos de heróis, bichinhos, personagens de quadrinhos, figurinos totalmente originais ou sem qualquer fantasia. Todos ali dando asas à imaginação. E isso é mágico.

O lado leve do carnaval me fez pensar em como é importante imaginar, sonhar, brincar, dar um espaço para o lúdico em nossas vidas. Pode até ser pedagógico para os dias atuais vivenciar o contentamento com tão pouca coisa. Basta uma banda bacana e deixar-se embalar pelo ritmo alegre e contagiante que tudo flui. A alegria vem e os sorrisos aparecem. São momentos em que só se pensa em dançar e cantar, em que se dá uma folguinha para a mente, em que se relaxa um tanto e se permite outro. Até a melancolia ganha uma certa leveza no carnaval, duvida?! Olha aí a música para confirmar: “confete, pedacinho colorido de saudade”.

E as escolas de samba? Quanta cultura desfilando nas passarelas! Eu não sei vocês, mas invariavelmente, os carnavalescos tocam em pontos da História ou em certas histórias de que eu nunca havia ouvido falar. Os desfiles são sempre uma oportunidade de aprendizado, de valorização e de divulgação de cultura. Além de franca exposição de criatividade. Sem contar as novidades e malabarismos que as escolas vêm apresentando em suas baterias. É tudo muito rico.

Tudo bem, há quem não goste da euforia carnavalesca e que se dedique a outras atividades: ler, dormir, acampar, meditar, orar, fazer piqueniques. Tudo está valendo. Agora digam para mim se não é ótimo aproveitar essa espécie de recreio que o carnaval proporciona. Seja lá como for, este é um feriadão convidativo e que abre uma série de oportunidades de encontro consigo mesmo e também com o lado mágico e encantado da vida. A vida é deslumbrante, viver é uma aventura permanente e a fantasia pode ser um mecanismo importante para manter a saúde mental e emocional.

A humanidade tem uma estranha tendência a complicar o simples, tornar sério aquilo que é para ser lúdico e deixar de lado aquilo que deve ser sério. Isso, ao menos para mim, é uma inversão enigmática.  Tudo tem seu momento e seu espaço.

É comum ouvirmos que, no Brasil, o ano só começa depois do carnaval. Não sei se isso é assim tão verdadeiro, mas de qualquer forma, hoje é terça-feira, o carnaval tá acabando, a locomotiva do consumo já vem avançando sobre nós e soando seu apito, já há ovos de páscoa à mostra em algumas vitrines. Piuíííííí! A folia está acabando, mas ainda dá tempo. Ainda dá pra escolher um programa que desperte o que há de mais leve e divertido em você e curtir. Afinal, como diz Chico, amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar.

Imagem disponível em:
https://pixabay.com/pt/chap%C3%A9u-hat-pena-confete-fl%C3%A2mula-2016797/


Confira "Noite dos macarados", de Chico Buarque:
https://www.youtube.com/watch?v=fgaKvFqD2CU

Sobre o enredo da Imperatriz Leopoldinense, vale a leitura.

http://www.mundosustentavel.com.br/2017/01/nunca-um-enredo-incomodou-tanto-o-agronegocio/

Conheça o enredo da Imperatriz Leopoldinense:
https://www.letras.mus.br/imperatriz-leopoldinense-rj/xingu-o-clamor-que-vem-da-floresta-samba-enredo-2017/






domingo, 12 de fevereiro de 2017

É preciso falar sobre morte

Falar sobre morte?! Vamos mudar de assunto?! Não. Dessa vez não. É preciso falar sobre ela.  Não é raro escutarmos por aí que a morte é a única certeza que temos na vida. Sim, é fato, mas por que fugimos tanto dessa conversa?! Um dos motivos certamente é porque não é nada confortável encarar a nossa finitude. Queremos viver, temos sonhos, planos, projetos e a morte é também a interrupção de tudo isso. Outro motivo, para muitos de nós ainda mais desconfortável, é o medo de perder aqueles que amamos.  Só a possibilidade de isso acontecer dói, então, uma grande parte de nós anda por aí fugindo do assunto como se não falar sobre isso pudesse evitar que acontecesse. Infelizmente, evitar o tema não vai fazer com que a morte não aconteça. Caminhamos para ela desde o nosso nascimento e, embora a maioria não saiba onde, quando e de que forma ela se dará, sabemos que o fim do corpo físico é um evento inexorável. 


Nossos tempos estão aí tentando evitar a tristeza a qualquer custo fugindo de assuntos “desagradáveis”.  É proibido estar triste! Esta parece uma regra social da contemporaneidade. Nosso status de humor deve ser invariavelmente feliz, se possível, muito, mega, ultrafeliz. Tristeza em nossos dias não pega nada bem. No entanto, quando evitamos certos assuntos para não abalarmos essa nossa “felicidade”, engolimos as palavras secas e nos alimentamos de angústia.  É preciso vivenciar a tristeza e, mais ainda, a tristeza causada pela morte. O luto é um tempo importantíssimo e deve ser vivido e respeitado. É um tempo de recolhimento necessário para a cicatrização das feridas causadas pela dor da perda de alguém. Elaborar a tristeza até que ela se transmute naquela saudade gostosa em que as lembranças não nos ferem, mas nos apaziguam, leva algum tempo e é importante que não saltemos essa etapa. Silenciar, na maioria das vezes, não nos ajuda nesse processo. Quando estamos tristes e chorosos, é o momento de tocarmos no assunto.

Não quero dizer com isso que devemos nos render à tristeza. É, sim, preciso que  continuemos buscando o bem-estar, mas tendo consciência de que ele vai demorar um pouquinho para chegar. A tristeza faz parte do trajeto. Enquanto ela não passa, aproveitarmos o momento para vivenciar nossa dor é fundamental. Boas e saudáveis conversas podem nos ajudar a enfrentar e a elaborar nossas perdas. Não podemos esquecer que, se o tempo de luto se estender demasiadamente, é necessário que procuremos ajuda profissional. Tristeza é uma coisa, depressão é outra bem diferente. É bom que tenhamos isso bem claro.

A morte de um ente querido mexe conosco. Talvez muito mais do que imaginemos, seja lá qual tenha sido a sua causa. Quando alguém querido morre de repente, o impacto causado pela perda resulta em uma dor lancinante, causa um choque. Há que se lidar com essa dor imensa de um momento para o outro. Nada se pode fazer a não ser lidar com o fato. Quando alguém morre por conta de uma doença, em geral, familiares e amigos vivenciam cada uma das fases atravessadas pelo doente e, quando percebem que o fim daquela pessoa amada está próximo, a dor da perda, embora excruciante, teve um tempo para sua elaboração.  Naquele momento têm-se a chance de entender algo que a jornalista Eliane Brum fala tão bem em seu artigo Morrendo como objeto: “quando não se pode curar, ainda se pode cuidar”.  E a noção de cuidar precisa estar intimamente ligada aos desejos de cuidado daquele que está se despedindo. É preciso respeitá-lo.

Se esse alguém está hospitalizado, as equipes médicas e de enfermagem são fundamentais nesse tempo de transição entre a vida e a morte. Muito mais do que somente manter as funções vitais do paciente, esses profissionais podem auxiliar os familiares e amigos daquela pessoa a passarem por essa hora com consciência daquilo que está acontecendo, para que possam efetivamente dar o suporte afetivo que seu ente querido tanto necessita e merece. É muito interessante que os profissionais se lembrem que os familiares do paciente, no mais das vezes, não têm conhecimento técnico para lidar com alguém doente. É preciso orientá-los. Isso requer paciência. Simplificar a linguagem para falar com eles também é importante. É necessário que tentem traduzir os termos técnicos para que haja um perfeito entendimento da situação. Muitas vezes, quando um profissional de saúde se dirige à família do paciente, fala um milhão de coisas ininteligíveis para um leigo e, embora ele tenha dito tudo o que estava ocorrendo, efetivamente não houve comunicação. Se a equipe profissional, além de competente, é sensível, consegue ajudar a família a se estruturar para o momento da perda. Quando estruturada, as decisões a serem tomadas assim o serão com maior tranquilidade e visando o maior conforto do paciente. A morte é um momento delicado.

Reconhecer que não há mais nada a ser feito, além de oferecer carinho e conforto, é reconhecer que todos temos um limite e que esse limite deve ser respeitado. É o momento de pensar em uma morte digna, numa despedida pautada no amor e no carinho.  Vezes, nossos entes queridos, quando acometidos por uma grave enfermidade, enxergam o término de sua jornada antes de nós e nos revelam esse fato. É preciso ter claro que eles não estão desistindo da vida e tampouco de nós, apenas estão nos mostrando que a hora de partir está próxima e é inevitável. É tempo de despedir-se.

Despedir-se de quem se ama não é fácil. Dói, dilacera, nos enche de tristeza. É assim mesmo. Todavia a morte é sempre um momento de refletir sobre a vida. De rever convicções e prioridades. De realinhar projetos, de traçar objetivos. Porque a morte também é espelho e reflete a nossa finitude, ela sempre nos mostra que é preciso viver melhor.



Recomendo a leitura do texto de Eliane Brum "Morrendo como objeto".