Falar sobre morte?! Vamos mudar
de assunto?! Não. Dessa vez não. É preciso falar sobre ela. Não é raro escutarmos por aí que a morte é a única
certeza que temos na vida. Sim, é fato, mas por que fugimos tanto dessa
conversa?! Um dos motivos certamente é porque não é nada confortável encarar a nossa finitude. Queremos viver, temos sonhos, planos, projetos e a morte é
também a interrupção de tudo isso. Outro motivo, para muitos de nós ainda mais
desconfortável, é o medo de perder aqueles que amamos. Só a possibilidade de isso acontecer dói,
então, uma grande parte de nós anda por aí fugindo do assunto como se não falar
sobre isso pudesse evitar que acontecesse. Infelizmente, evitar o tema não vai
fazer com que a morte não aconteça. Caminhamos para ela desde o nosso
nascimento e, embora a maioria não saiba onde, quando e de que forma ela se
dará, sabemos que o fim do corpo físico é um evento inexorável.
Nossos tempos estão aí tentando
evitar a tristeza a qualquer custo fugindo de assuntos “desagradáveis”. É proibido estar triste! Esta parece uma regra
social da contemporaneidade. Nosso status de humor deve ser invariavelmente
feliz, se possível, muito, mega, ultrafeliz. Tristeza em nossos dias não pega
nada bem. No entanto, quando evitamos certos assuntos para não abalarmos essa
nossa “felicidade”, engolimos as palavras secas e nos alimentamos de angústia. É preciso vivenciar a tristeza e, mais ainda,
a tristeza causada pela morte. O luto é um tempo importantíssimo e deve ser
vivido e respeitado. É um tempo de recolhimento necessário para a cicatrização
das feridas causadas pela dor da perda de alguém. Elaborar a tristeza até que
ela se transmute naquela saudade gostosa em que as lembranças não nos ferem,
mas nos apaziguam, leva algum tempo e é importante que não saltemos essa etapa.
Silenciar, na maioria das vezes, não nos ajuda nesse processo. Quando estamos
tristes e chorosos, é o momento de tocarmos no assunto.
Não quero dizer com isso que
devemos nos render à tristeza. É, sim, preciso que continuemos buscando o bem-estar, mas tendo
consciência de que ele vai demorar um pouquinho para chegar. A tristeza faz
parte do trajeto. Enquanto ela não passa, aproveitarmos o momento para
vivenciar nossa dor é fundamental. Boas e saudáveis conversas podem nos ajudar
a enfrentar e a elaborar nossas perdas. Não podemos esquecer que, se o tempo de
luto se estender demasiadamente, é necessário que procuremos ajuda
profissional. Tristeza é uma coisa, depressão é outra bem diferente. É bom que
tenhamos isso bem claro.
A morte de um ente querido mexe
conosco. Talvez muito mais do que imaginemos, seja lá qual tenha sido a sua
causa. Quando alguém querido morre de repente, o impacto causado pela perda resulta
em uma dor lancinante, causa um choque. Há que se lidar com essa dor imensa de
um momento para o outro. Nada se pode fazer a não ser lidar com o fato. Quando
alguém morre por conta de uma doença, em geral, familiares e amigos vivenciam cada
uma das fases atravessadas pelo doente e, quando percebem que o fim daquela pessoa
amada está próximo, a dor da perda, embora excruciante, teve um tempo para sua
elaboração. Naquele momento têm-se a
chance de entender algo que a jornalista Eliane Brum fala tão bem em seu artigo
Morrendo como objeto: “quando não se pode curar, ainda se pode cuidar”. E a noção de cuidar precisa estar intimamente
ligada aos desejos de cuidado daquele que está se despedindo. É preciso
respeitá-lo.
Se esse alguém está hospitalizado,
as equipes médicas e de enfermagem são fundamentais nesse tempo de transição
entre a vida e a morte. Muito mais do que somente manter as funções vitais do
paciente, esses profissionais podem auxiliar os familiares e amigos daquela
pessoa a passarem por essa hora com consciência daquilo que está acontecendo,
para que possam efetivamente dar o suporte afetivo que seu ente querido tanto
necessita e merece. É muito interessante que os profissionais se lembrem que os
familiares do paciente, no mais das vezes, não têm conhecimento técnico para
lidar com alguém doente. É preciso orientá-los. Isso requer paciência. Simplificar
a linguagem para falar com eles também é importante. É necessário que tentem traduzir
os termos técnicos para que haja um perfeito entendimento da situação. Muitas
vezes, quando um profissional de saúde se dirige à família do paciente, fala um
milhão de coisas ininteligíveis para um leigo e, embora ele tenha dito tudo o
que estava ocorrendo, efetivamente não houve comunicação. Se a equipe
profissional, além de competente, é sensível, consegue ajudar a família a se
estruturar para o momento da perda. Quando estruturada, as decisões a serem
tomadas assim o serão com maior tranquilidade e visando o maior conforto do
paciente. A morte é um momento delicado.
Reconhecer que não há mais nada a
ser feito, além de oferecer carinho e conforto, é reconhecer que todos temos um
limite e que esse limite deve ser respeitado. É o momento de pensar em uma
morte digna, numa despedida pautada no amor e no carinho. Vezes, nossos entes queridos, quando acometidos
por uma grave enfermidade, enxergam o término de sua jornada antes de nós e nos
revelam esse fato. É preciso ter claro que eles não estão desistindo da vida e
tampouco de nós, apenas estão nos mostrando que a hora de partir está próxima e
é inevitável. É tempo de despedir-se.
Despedir-se de quem se ama não é
fácil. Dói, dilacera, nos enche de tristeza. É assim mesmo. Todavia a morte é
sempre um momento de refletir sobre a vida. De rever convicções e prioridades.
De realinhar projetos, de traçar objetivos. Porque a morte também é espelho e
reflete a nossa finitude, ela sempre nos mostra que é preciso viver melhor.
Imagem do anjo disponível em:
https://pixabay.com/pt/cemit%C3%A9rio-grave-tombstone-figura-1670233/
https://pixabay.com/pt/cemit%C3%A9rio-grave-tombstone-figura-1670233/
Excelente texto. Voce encerra com "chave de ouro" trazendo a morte como um espelho que reflete a nossa finitude e isso deve ser motivo para que procuremos viver melhor.
ResponderExcluirLi um artigo há alguns anos (não me lembro o autor) muito interessante que fazia uma analogia entre o assunto MORTE e SEXO. Antigamente as pessoas eram veladas na sala de casa onde todos (até as crianças) participavam e a morte era tratada mais naturalmente (mesmo com dor). Já assuntos sobre sexo eram totalmente proibidos (principalmente para crianças).
Hoje a coisa se inverteu. As crianças não são são levadas aos velórios (quando se fala no assunto as pessoas batem na madeira e falam "Deus me livre") como se não fossem morrer um dia. E o sexo está no cotidiano, de forma até vulgarizada, até para as crianças.
Voltando ao texto, realmente se a gente souber reconhecer a morte como parte da vida, apesar dá dor da perda, com certeza o sofrimento é menor, mais saudável, sem revolta.
Ótima reflexão.
Parabéns
Olá, Inês!
ExcluirAchei muito interessante essa contraposição entre o embargo dos assuntos morte e sexo em nosso cotidiano, sobretudo em relação às crianças. Nunca tinha pensado nisso. Hoje o tema sexo chega as nossas crianças com extrema facilidade muitas vezes por meio da música (não exclusivamente), mas é quase interditado no ambiente escolar, por exemplo, apesar de alguns avanços. É um assunto a ser pensado.
A morte sempre me deixa algum recado, sempre nas perspectivas de viver melhor o tempo que tenho aqui e de evidenciar a minha finitude.
Obrigada pelo carinho de sempre e por bater esse papo comigo aqui no blog.
Beijos.
Excelente texto. Voce encerra com "chave de ouro" trazendo a morte como um espelho que reflete a nossa finitude e isso deve ser motivo para que procuremos viver melhor.
ResponderExcluirLi um artigo há alguns anos (não me lembro o autor) muito interessante que fazia uma analogia entre o assunto MORTE e SEXO. Antigamente as pessoas eram veladas na sala de casa onde todos (até as crianças) participavam e a morte era tratada mais naturalmente (mesmo com dor). Já assuntos sobre sexo eram totalmente proibidos (principalmente para crianças).
Hoje a coisa se inverteu. As crianças não são são levadas aos velórios (quando se fala no assunto as pessoas batem na madeira e falam "Deus me livre") como se não fossem morrer um dia. E o sexo está no cotidiano, de forma até vulgarizada, até para as crianças.
Voltando ao texto, realmente se a gente souber reconhecer a morte como parte da vida, apesar dá dor da perda, com certeza o sofrimento é menor, mais saudável, sem revolta.
Ótima reflexão.
Parabéns
Texto excelente. Bom pra refletirmos. Parabéns!!!
ResponderExcluirEliza
Olá, Eliza!
ExcluirComo é bom contar com a sua leitura!
Obrigada pelo carinho e pelo interesse de sempre.
Isso não tem preço.
Beijos.
Muito bom! E verdadeiro...
ResponderExcluirOi, Lumena!
ExcluirComo é bom saber que você tenha sentido verdade nesse texto. Você, como profissional de saúde, viveu muitas vezes o drama de pacientes, amigos e familiares na hora da morte e sabe da importância de atuação do profissional nesse momento.
Beijo grande e obrigada pelo carinho de sempre.
Muito bom a morte por traazer uma dor intensa e pela cultura que vivemos onde é tida como algo soturno que pode acometer de quem dela se aproxime.
ResponderExcluirTudo isso com você bem colocou no início leva a fuga das emoções,'vamos mudar de assunto', falar de quem morreu é fundamental. A elaboração do luto e todo seu ritual é de suma importância para saúde mental. Difícil,algumas vezes é encontrar quem queira escutar.Em outras culturas como Japão ela é festejada.
Em fim parabéns pelo maravilhoso texto e pela reflexão que possibilita.
Obrigada, Tania!
ExcluirComo você bem diz, o difícil é encontrar quem queira escutar.
Beijo.
Parabéns pelo texto e a possibilidade de reflexão sobre sobre a morte. Assunto como você bem disse a maioria das pessoas evitam falar. Porém o luto é um ritual de passagem para adultos e e crianças e passando pelo luto é possível manter o equilíbrio e a saúde mental.
ResponderExcluirParabéns