Ler o livro de Lázaro Ramos é, de fato, como propõe o título, vestir a pele do autor. É olhar o mundo do ponto de vista dele e descobrir alguns ângulos antes nunca perscrutados. Ao menos comigo foi assim.
Muita gente defende a meritocracia como um caminho lógico e claro e diz por aí que quem luta, quem nada contra a corrente das várias violências e ameaças sofridas - veladamente ou não - vence, que superar as dificuldades é só uma questão de determinação, como se aquele que não vence fosse simplesmente fraco ou desistisse no primeiro espinho. Acho essa questão um pouquinho mais complicada e ler "Na minha pele" me ajudou muito a enxergar essas complicações com mais clareza. É que o ser humano não é constituído apenas de razão e de decisões racionais - e quase todo mundo sabe disso, mas sempre é bom repetir - há muito sentimento e emoção na humanidade de cada um e, nem sempre, acessar a lógica, traçar um caminho e seguir é simples assim. Há caminhos que sequer conseguem ser traçados, cada um reage de um jeito aos acontecimentos desse mundo. Ainda é, para mim, um denso mistério a reação de cada um aos mesmos fatos e como enquanto uns fazem disso a mola propulsora para alcançar, mais do que seus objetivos, suas potencialidades, outros paralisam e não conseguem prosseguir. Na especificidade de cada um há coisas que causam marcas em uns, deixam de atingir outros e dilaceram alguns. Não dá para julgar todo mundo por um, fazer isso é, no mínimo, leviano. Como tão bem ressalta Lázaro, as exceções vêm, muitas vezes, confirmar as regras.
O autor salienta o tempo todo o quanto foi importante para ele o conhecimento de si mesmo: "Compreender o que fazia sentido para mim foi libertador, pois assim é que buscamos o nosso caminho". Não é por acaso que essa frase está inserida no capítulo "Escolhas". Penso que talvez o que haja de especial nas exceções é que essa consciência do sentido tenha vindo cedo. Talvez e só talvez, é preciso frisar bem isso. Muitas vezes esse sentido, tão necessário para traçar um caminho, não vem na ordem cronológica. Há muitos caminhos e, vez por outra, sem encontrar o sentido, toma-se uma direção diversa daquela que seria a mais acertada para o desenvolvimento pleno do potencial de cada um.
O autor salienta o tempo todo o quanto foi importante para ele o conhecimento de si mesmo: "Compreender o que fazia sentido para mim foi libertador, pois assim é que buscamos o nosso caminho". Não é por acaso que essa frase está inserida no capítulo "Escolhas". Penso que talvez o que haja de especial nas exceções é que essa consciência do sentido tenha vindo cedo. Talvez e só talvez, é preciso frisar bem isso. Muitas vezes esse sentido, tão necessário para traçar um caminho, não vem na ordem cronológica. Há muitos caminhos e, vez por outra, sem encontrar o sentido, toma-se uma direção diversa daquela que seria a mais acertada para o desenvolvimento pleno do potencial de cada um.
Para além disso, o escritor cita inúmeras vezes o quanto foi importante, apesar das dificuldades relativas ao toque, receber desde sempre o afeto de sua família. É possível ler nas entrelinhas que Lázaro foi amado desde sempre e que isso fez toda a diferença. Nas linhas, ele destaca: "afeto é potência" e é nesse sentido que está conduzindo a educação de seus filhos para que sejam seres livres e plenos, que desenvolvam suas potencialidades com um olhar de respeito para eles mesmos e para os outros. É curiosa essa coisa de fazer sentido, não é mesmo? Isso acontece também com as expressões. Um dia a gente ouve algo que já tinha escutado, mas que alguém fala de um jeito diferente e plim, aquilo nos toca. Sentimos, então, aquela sentença como verdadeira, a visão se amplia. Foi o que aconteceu comigo ao ler "afeto é potência".
Toque, carinho, palavras de incentivo, referências, tudo isso é cuidadosamente tratado no fluido texto do autor. Ele traz uma linguagem leve, o que nos faz passar por temas árduos e chegar a importantes reflexões sem aspereza. Diz daquilo que a maioria já sabe, mas que é preciso repetir o tempo todo: "racismo é motivo de discriminação diária, sim". No entanto, coerente com aquilo que ele mesmo traz, é preciso dizer isso, mas sem se apropriar da linguagem do opressor. Numa proposta consciente e decisão manifesta, destaca a importância da inteligência e da delicadeza para abrir e ampliar a escuta.
Na pele dele eu pude ver e sentir um outro olhar do mundo e, algumas vezes, fiquei incomodada na minha própria pele. Algumas vezes na pele dele ou na minha pele esse ângulo do olhar do mundo nos aproximou, se não foi o racismo que apontou a minha "inadequação", foi outro ismo igualmente opressor das diferenças alheias e me pôs a pensar: e se além de todas as minhas "não conformidades" eu tivesse a pele dele, como seria? O olhar do mundo não seria ainda mais inquisidor comigo? O humor muitas vezes foi a saída encontrada por ele, por mim e por tantas outras peles em caleidoscópicas circunstâncias. Na pele dele pude enxergar com olhos que não são os meus, pude ver além de mim e me encontrar e essa é uma experiência singular. "Na minha pele" é uma proposta de viagem em outra pele e dessa travessia dificilmente não se sairá transformado. Isso não preço!
(Publicado no site NotaTerapia em 29/09/2017 - Link para acesso: http://notaterapia.com.br/2017/09/29/na-minha-pele-de-lazaro-ramos-ou-como-se-colocar-na-pele-de-outra-pessoa/)
(Publicado no site NotaTerapia em 29/09/2017 - Link para acesso: http://notaterapia.com.br/2017/09/29/na-minha-pele-de-lazaro-ramos-ou-como-se-colocar-na-pele-de-outra-pessoa/)
Eu ainda nao li o livro Marise, mas suas ponderações me incitaram o desejo de lê-lo. Voce fala do racismo como uma das "nao conformidades" (dentre as muitas arraigadas na nossa sociedade) e eu penso que essa ainda tem o acolhimento no contexto familiar (pais negros, irmãos negros) diferentes de outras q isolam a pessoa em um sofrimento artroz. Vou ler o livro.
ResponderExcluirMarise Bender, sou sua fã
Oi, Inês!
ResponderExcluirQue bom ver você por aqui! Adorei saber que você ficou com vontade de ler "Na minha pele", é uma leitura imperdível, dessas que a gente cresce ao fazer. De certa forma, a Chimamanda Adichie fala disso que você falou sobre o acolhimento, só que numa outra perspectiva. No livro "Para educar crianças feministas - um manifesto", ela relata que na raiva que tem do sexismo, ela se sente mais solitária, do que naquela que tem do racismo. Também sou sua fã, menina.
Beijo grande.
Muito bom!!!!!
ResponderExcluirAs "não conformidades" existem em todos de alguma maneira, e em todos os lugares...
É preciso compaixão com algumas delas, mas em sua grande maioria, é preciso respeito acima de tudo.
Adorei o texto!
Beijo grande.
Minha linda, que bom ter você por aqui!
ExcluirA sociedade nos classifica e, muitas vezes, nos "reprova" por algum motivo. No entanto, é preciso olhar para além dessa imagem que insistem em nos apontar e enxergar a nós mesmos e aos outros com generosidade e com o olhar apurado de quem consegue ver além dos rótulos que nos/lhes dão, não é mesmo?
Beijo grande.