(Sobre "Processo de Conscerto do Desejo")
É escuro, surgem ruídos que não se pode identificar, há um violão e um desamparo. Só eu que sinto esse perfume espalhado pelo ar? Ela dorme. Princesa, rima ocultada, estrela atrás da nuvem. Dorme.
É escuro, surgem ruídos que não se pode identificar, há um violão e um desamparo. Só eu que sinto esse perfume espalhado pelo ar? Ela dorme. Princesa, rima ocultada, estrela atrás da nuvem. Dorme.
Foto de Fábio Seixo |
O desejo de trazer Maria Cecília
para a luz se cumpre. Se faz por letras, sílabas, palavras, versos inteiros,
músicas e gestos, ora delicados, ora vigorosos e cheios de tenacidade. Quase um
balé.
Delicadamente vão surgindo as
angústias da mãe de um bebê recém-nascido que chora, mama, dorme, suja as
fraldas e, vez por outra, tem essa rotina quebrada por um evento cheio de
preocupação: o vômito. A maternidade em sua face nada glamorosa aparece e vem
contracenar com o menino.
O texto é mais que um diálogo,
uma vivência. É processo. Participamos todos da tristeza que provoca uma vida
que se vai tão cedo, da falta de colo e do brinquedo colorido, da queda
solitária da criança. A melancolia é irremediável, o moço essencialmente triste
e com jeito de quem está querendo ser criança outra vez não a espanta dos
olhares à luz. A dor é um direito, precisa ser vivida.
No tablado, a ferida é exposta
com delicadeza em uma mistura terna, e áspera, e dolorida, que a ausência
provoca. Ao som primoroso de violão e violino, o ator se estilhaça e se recompõe sob
nossos olhares comovidos e atônitos e nos conduz, através dele mesmo, da poesia e da música, à
conversão da melancolia em beleza, coisa que só pode fazer mesmo quem tem as
mãos de um jardineiro quando está chovendo.
O espetáculo de Matheus Nachtergaele é poesia em movimento. É alquimia. É a transformação do sofrimento em arte. É uma flor brotada da sensibilidade e da intensidade que só tem um menino-homem que transpira amor e sorri à toa. É um convite para valsar apesar do destino, por mais duro que ele possa ser.
SOBRE O ESPETÁCULO:
Matheus Nachtergaele ficou órfão de mãe aos três meses de idade. Maria Cecília, que cometera suicídio, deixa alguns textos e poemas aos quais o ator tem acesso na adolescência, através de seu pai. Na vida adulta, na tentativa de superar a dor que o fato traz à sua vida, Nachtergaele realiza o emocionante espetáculo com os poemas de sua mãe e convida o público a participar dessa superação num sensível concerto de voz, atuação, violino e violão. A arte é o principal instrumento desse processo.
Matheus Nachtergaele declamando um dos poemas de sua mãe:
https://www.youtube.com/watch?v=D3joAP6js4E
https://www.youtube.com/watch?v=D3joAP6js4E
Foto de Fabio Seixo (A quem agradeço pela autorização para o uso da imagem)
Agência O Globo - disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/teatro/nachtergaele-celebra-mae-morta-quando-ele-tinha-3-meses-em-peca-17997243
Mais poesia:
(Atualização em 16.09.2017)
Concebi o espetáculo como um poema a quatro mãos: Matheus e Maria Cecília. Sendo assim, reuni aqui o belíssimo registro fotográfico da apresentação da peça em Petrópolis, a partir das lentes sensíveis e cheias de expressividade do fotógrafo Marco Oddone, e os versos de Maria Cecília Nathtergaele. Que maravilhoso concerto!
Eu procuro alguém
Para fazer uma poesia comigo
Tem que ser terno e triste
É essencial que seja triste
Gestos de poeira
Muita saudade
Medo
Os olhos de até logo
Com jeitinho
de adeus.
Tem que ser distraído
Sorrir à toa
Sempre querer chorar
Mas nunca conseguir
E ter amado muito
E ter sofrido
E andar de poeta
Que fala sozinho
E falar muito
abandonadamente
É preciso ter jeito
De quem está querendo
Ser criança outra vez
E as mãos...
As mãos de um jardineiro
Quando está chovendo
Que nunca saiba
Como começar a falar
Mas sempre saiba
Como começar a sorrir
Mas a maior urgência que existe
O essencial,
Muito essencial,
É ser imensamente triste.
Agência O Globo - disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/teatro/nachtergaele-celebra-mae-morta-quando-ele-tinha-3-meses-em-peca-17997243
Mais poesia:
(Atualização em 16.09.2017)
Concebi o espetáculo como um poema a quatro mãos: Matheus e Maria Cecília. Sendo assim, reuni aqui o belíssimo registro fotográfico da apresentação da peça em Petrópolis, a partir das lentes sensíveis e cheias de expressividade do fotógrafo Marco Oddone, e os versos de Maria Cecília Nathtergaele. Que maravilhoso concerto!
Eu procuro alguém
Para fazer uma poesia comigo
Tem que ser terno e triste
É essencial que seja triste
Gestos de poeira
Muita saudade
Medo
Os olhos de até logo
Com jeitinho
de adeus.
Tem que ser distraído
Sorrir à toa
Sempre querer chorar
Mas nunca conseguir
E ter amado muito
E ter sofrido
E andar de poeta
Que fala sozinho
E falar muito
abandonadamente
É preciso ter jeito
De quem está querendo
E as mãos...
As mãos de um jardineiro
Quando está chovendo
Que nunca saiba
Como começar a falar
Mas sempre saiba
Como começar a sorrir
Mas a maior urgência que existe
O essencial,
Muito essencial,
É ser imensamente triste.
Maria Cecília Nathtergaele
Minha alma cansada não faz cerimônia, vc pode entrar sem bater! Obrigado pelo olhar.....Matheus Nachtergaele.
ResponderExcluirQuerido Matheus.
ExcluirNum primeiro momento fiquei em dúvida que você mesmo tivesse passado por aqui. Fiquei tão emocionada com essa possibilidade, fui correndo a sua página no facebook e encontrei meu texto lá. Que emoção! Emoção imensa por você ter percebido o carinho e a admiração enormes que seguem nesse pequeno texto sobre essa sua peça incrível. Emoção sem medida por um recado tão generoso. Obrigada pelo carinho, obrigada pela peça.
Forte abraço.
Parabéns pelo texto Marise, sensível, intenso e convidativo.
ResponderExcluirCada vez mais acho que, na escrita, o seu destino é esse.
Um beijo carinhoso e cheio de orgulho.
Eliza
Eliza querida.
ExcluirComo disse mais cedo, seu olhar sempre me faz bem.
Um beijo grande, terno e agradecido.
Você é incrível, minha inspiradora. Nada mais justo que receba os louros por esta arte pura da sua alma! Parabéns...amo demais! 😘
ResponderExcluirAh, minha querida! Como é bom o seu carinho, o carinho dele, o carinho de tanta gente. Minha semana acordou inundada de afeto e deixou meu coração molinho, molinho! Encantado e agradecido. Não vejo como louros, mas como uma brisa terna que sopra e murmura: prossiga. O peito enche de energia e a vida fica mais ensolarada com esses presentes que ela nos dá. Obrigada, lindona, hoje e sempre.
ExcluirBeijos.