domingo, 19 de novembro de 2017

Muito além de uma xícara de café


Para Douglas e Antônio
pela arte de servir café
c
om tempero de carinho


Torta de frutas secas - Sant`Anna Cafeteria
Era pra ser só um café, um momento de descontração no fim da tarde, um encontro comigo mesma. Já faz tempo que sou dessas, não adio descompromissos por falta de companhia. Teatro, cinema, show, recital, passeio, sorvete, café, nada obrigatório, descompromissos puros e prazerosos em que não cabem adiamentos. Se tem alguém para ir junto, ótimo. Se não, ótimo. Ontem foi assim, eu comigo, meus pensamentos, minhas sensações. Era pra ser só café, foi música, aroma, sabor e muita observação.  Como é bom terminar um dia em que tudo deu certo numa cafeteria! Um dia em que tudo dá errado também. Café é perfeito para um brinde ou como bálsamo.

Tudo corria do mesmo jeitinho: cardápio, simpatia, pedido, café. Clientes comportados e falando baixinho, como são os ambientes de cafeteria em geral. De repente, surge um menino. Ele, acompanhado por pais e avó, trouxe um bocadinho de inquietação àquele lugar. O pula que pula, a voz mais elevada, a brincadeira irreverente do pai com o garoto. Levei um susto. Não é que o rapaz estourou o pacotinho plástico que vem cuidadosamente embalando os talheres?! Ele mesmo se assustou quando se deu conta do que fizera. Eu ri, mas confesso que agitação não era exatamente o que eu estava procurando naquele lugar. Sou de silêncio e sons, ontem estava mais para a segunda opção.

A estada do menino por ali foi curta, como são próprias das paradas infantis em “lugares de adultos”, mas transformadora. Eu disse que era pra ser só um café, mas não foi isso o que se deu. Na saída, bem pertinho de mim, o garotinho deu de cara com uma vitrola. Foi um espanto. Ele jamais havia visto coisa igual e tampouco sabia para o que servia. Curioso, aproximou-se do objeto e crivou o pai de perguntas. O pai bem que tentava explicar na teoria, no entanto não dava conta de satisfazer à curiosidade do filho. Um pouco distante, o proprietário do estabelecimento observava tudo atentamente. Aproximou-se, desligou o som e ligou o toca-discos para o pleno  encantamento do menino. Pacientemente virou o disco e mostrou que do outro lado tinha mais música, o menino silenciou entre a surpresa e a maravilha. Recolheu a experiência, agradeceu e saiu dali levando uma história pra contar.

Eu sorri, dessa vez, emocionada. Havia presenciado um momento de fascínio e descoberta. Além disso, o sorriso generoso do proprietário do café ao ter servido ao menino um tanto de fascínio denunciava a sua satisfação e me fazia lembrar de uma bela crônica de Affonso Romano de Sant' Anna, que nos fala exatamente que “cada um tem um momento, um gesto, um ato em se que individualiza e brilha”. O moço tinha se iluminado ao encontrar o que tem de mais próprio em si: o prazer de fazer o outro se sentir bem, confortável. A cena foi simples, mas me deixou contemplar “o incêndio de cada um”: o menino colhendo frutos de sua curiosidade e o rapaz extrapolando o ato de servir ao doar-se.  Meu café terminou, pedi a conta, vim para casa, mas a poesia daquele instante está presente fazendo eco até agora. Era para ser só um café, mas foi beleza e testemunho dos fragmentos poéticos que a vida nos dá.

É bonito ver alguém fazendo aquilo de que gosta. O contentamento escapa-lhe pelos poros e nos atinge de alguma maneira. Lembrei-me de um balconista da lanchonete da faculdade, seu nome era Messias (eu me lembro e já faz 14 anos que deixei a universidade).  O pão era o mesmo, as frutas também, mas quando ele preparava o suco e o sanduíche, o sabor era diferente. O aprazimento no preparo agregava um tempero especial e inigualável. Há algo mágico que emana daqueles que estão no lugar certo fazendo aquilo que gostam. No lugar que desejam ocupar. A alegria deles nos contagia, vem conosco e nos faz mais ternos e felizes também, a gente se sente mais vivo. A vida é também essa maravilhosa mudança de roteiros. O fim da tarde de ontem era para ser só um café, mas foi muito além disso e, uma vez mais, a cafeteria fez jus a seu slogan.

Confira também a crônica "O incêncio de cada um", de Affonso Romano de Sant´Anna:
https://www.facebook.com/estacaomarisebender/posts/1882150905435258

Cafeteria Sant'Anna, eu adoro.
Rua Dr. Paulo Hervé, 1139
Bingen
https://www.facebook.com/santannacafeteria/





2 comentários:

  1. Marise, você transformou o nosso ato de servir café nessa bela demonstração de carinho. Continue nos observando, risos. Eu amei este, que vai parar impresso em minha parede domiciliar. Obrigado pelo carinho e pelas visitas. Grande beijo, Antônio

    ResponderExcluir
  2. Antônio.

    Coisa boa saber que gostou e que ele vai pra bem pertinho de você. É sempre uma delícia ir à Cafeteria, bem como estar com vocês. Quanto a observá-los, tô de olho (risos muitos). eu que agradeço o carinho de sempre.

    Beijo grande.

    ResponderExcluir