domingo, 5 de novembro de 2017

Como eu era antes de você


De repente a gente se dá conta de que viveu um grande amor. Um sentimento todinho maiúsculo e que, mesmo que não tenha durado a vida inteira, foi capaz de nos transformar para a eternidade. Não que não soubéssemos antes, mas agora essa certeza é ainda mais clara e pungente. E aí descobrimos que nossas vidas estão divididas em antes e depois desse amor. Que ele foi fundamental para o nosso crescimento, que nos fez conviver genuinamente com a partilha, com todas as nossas impossibilidades, que nos apresentou o respeito amplo e irrestrito pelo ser humano que somos. De repente nos damos conta de que fomos verdadeiramente amados e de que em verdade amamos. Que naquele relacionamento não havia rede de proteção. Que era saltar e ter certeza do amparo, do abraço, do afago, da escuta, do beijo, da cumplicidade, do encontro.

Há parceiros amorosos que nos mostram o melhor de nós. Que nos enxergam antes de nós mesmos, compreendem nossas falhas e nos apontam nossas possibilidades, que respeitam nosso tempo de chegada e, sobretudo, não nos apressam. São puro e autêntico acolhimento. Nos veem e, ainda assim, não se espantam, escolhem permanecer, somar, dividir, ouvir, calar e dizer. Escolhem trilhar o caminho lado a lado conosco em harmonia, transcendendo os solavancos que o dia a dia nos dá, ainda que por um tempo. Há encontros que são de corpos, de sentimentos e de almas e que, por isso mesmo, nos fazem querer ser amigos melhores, amores melhores, amantes melhores, pessoas melhores. Do convívio com alguém assim, saímos sempre uma versão aprimorada de nós mesmos. Inteiros e fortalecidos. Damos um upgrade em nossa humanidade. Isso não se mede.

São encontros que suplantam as lembranças e a presença, ficam vivos na pele, nas retinas, no coração, não saem de nós. São pessoas que passam pela vida da gente e fazem morada, ainda que resolvam partir. Gente encantada e encantadora que nos faz ver a vida de um jeito mais simples e que, mesmo ao ir embora, nos deixa a leveza e um refúgio de paz como herança. Gente capaz de plantar em nós uma essência de otimismo e esperança. De despertar nosso olhar mais colorido para a incrível oportunidade que é viver, bem como a habilidade para ver que a felicidade é o grande motivo e que ela existe mesmo em dias tristes ou repletos de saudade.

Há relacionamentos marcantes e amadurecidos que, por motivos, explicáveis ou não, não foram feitos para durar a vida toda. Quando isso ocorre, não há desespero na partida. Há dor, respeito e compreensão. Separação: prova de fogo para qualquer amor. Sua sobrevivência a um abalo desses, a constatação de que a liberdade é laço inquebrantável entre aqueles que se amam. Diante da ausência e da partida do amado, os telefones não tocam desesperada e desesperadoramente nem explodem em oitocentas mil mensagens de amor desaforado que não aceita a decisão do outro. Tudo é paz, ainda que uma paz dolorida e tristonha e que demore um tempinho para se tornar aquela falta gostosa de sorriso de canto de boca a cada lembrança. Há uma beleza cheia de dignidade nesse tipo de separação. O que fica é gratidão imensa por ter podido viver um relacionamento desse quilate. Por ter podido semear e colher a florada dessa relação. Por ambos saírem dela tomados de força e coragem.  A não ser a necessidade de um de partir e o desejo do outro de permanecer, tudo é recíproco. E o respeito suplanta todo e qualquer desejo. Não há espaço para cobranças ou acusações. 

A esta altura, você já sabe que o título desta crônica tem, sim, estreita relação com o filme inspirado no romance homônimo de Jojo Moyes, a que assisti e achei imperdível e fascinante, não apenas pelo grande dilema que propõe, mas por evidenciar as profundas mudanças que um amor pode causar em seus pares, sobretudo quando se está aberto para que elas aconteçam. Um amor assim não se esquece e, quando a saudade bate, ela é só saudade, autêntica e sublime, saudade-presença sem qualquer visgo de melancolia.  Amar é também se abrir, viver e descobrir, na contramão do que diz o poeta, que há amores que se sagram eternos porque duram infinitamente.

Observação:
Foto disponível em https://pixabay.com/pt/p%C3%B4r-do-sol-mar-de-barco-navio-675847/




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