sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Na estrada

(ou, do meu ponto de vista, o que é ser feliz) 




"Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
  Procede tal e qual o avozinho infeliz:
  Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!"
(Mário Quintana)



Arquivo pessoal
E no meio de um bate-papo, uma pergunta: você é feliz? Ao que respondo imediatamente: hoje sou! Com variações entre o inconformado e o curioso ele manda outra à queima-roupa: o que é ser feliz pra você? A indagação me fez parar pra pensar, me levando a consultar os retrovisores e a ponderar as razões para eu ter feito uma ressalva adverbial logo de saída. Foi um questionamento nada simples e que não merecia uma resposta pró-forma. Felicidade é coisa séria e a questão me fez reviver momentos que têm tudo a ver com o meu conceito atual do que ela seja.

Explico-me. Durante muito tempo, não fui minha melhor amiga. Não estava suficientemente perto de mim e não me sabia ler de maneira competente.  Míope, não enxergava minhas qualidades e vislumbrava vultos que exacerbavam em demasia meus defeitos. E nem é preciso dizer que ninguém é feliz submetendo sistematicamente suas falhas a lentes de aumento.  Parece estranho, mas isso é coisa que acontece a muita gente e não tem nada a ver com autocrítica, que é gênero de primeira necessidade.

O grande problema disso é que não se enxergar com clareza ofusca a própria felicidade, assim como compromete a sua elaboração. Com a visão pouco apurada e lendo mal minhas entrelinhas, desconhecia minhas reais necessidades para viver bem. Pautava-me em muita medida pela miragem. E miragem, a gente bem sabe, é algo impalpável e inatingível. Não existe e ponto.  É só imaginação. Vemos miragens quando nossos sentidos nos enganam. A temperatura sobe e a visão fica comprometida. Pode brotar no asfalto ou nos desertos que muitas vezes percorremos ou perscrutamos. Paixões, ambições, desconhecimento, entre outras coisas, podem aquecer a realidade o suficiente para que nossos sentidos nos preguem peças.

Um pouco mais amadurecida, entendi que, para alcançar a felicidade, autoconhecimento é tudo. É uma espécie de óculos de que se precisa dispor. Felicidade é coisa que existe da boca pra dentro, do lado avesso da pele. E se a gente não se enxergar, não rola.  O modo como você se relaciona consigo mesmo e com o mundo é uma espécie de ponto G da felicidade. O lado de fora tem mais ou menos impacto em seu bem estar emocional, dependendo da maneira que você lida com você mesmo ali no miudinho da vida. É como numa estrada: mapas, placas, desenhos e orientações existem e servem para tornar o percurso mais fácil e seguro, mas de nada ou muito pouco adiantarão se você não souber aonde quer chegar, ou, nesse caso, o que lhe faz bem. Definir onde se quer estar é parte fundamental da viagem. A partir daí, é preciso olhar para dentro de si com coragem para acessar sua própria bússola. Para tomar conhecimento de onde estão seus pontos cardeais e outros tantos mais. Talvez nunca saibamos tudo de nós e talvez isso nem seja necessário, mas o principal, o que nos move e o que nos paralisa, isso precisamos saber. Alguns já nascem com essa habilidade mais desenvolvida, entendem logo pra que lado é o Norte e vão nessa. Não sou dessas, tive que aprender o caminho e isso não rolou de primeira.  Haja tentativa, erro e ilusão até descobrir o que me faz feliz!

Evidentemente, mesmo sabendo um tanto considerável de si, há sempre o risco de se perder no percurso, mas isso se torna um evento menos provável e com consequências menos graves, quando se conhece a sua própria natureza. Alguns desvios são inevitáveis, outros ricos e até necessários, mas quando o desvio vira regra, transforma-se em transtorno e empecilho.

Descobrir logo cedo que não se pode controlar tudo na vida é uma vantagem. Ponto pra quem consegue! Descobri com algum atraso. Durante muito tempo, por ignorar muito de mim, andei pisando pedras, julguei que precisava possuir certas coisas, que não precisava de outras, enveredei por caminhos acidentados e me feri. Tudo isso pode ter sido válido e foi.  Me fez crescer e me deixou mais forte. No entanto, a distância de mim mesma muitas vezes me deixava à margem da felicidade, numa realidade próxima, mas não exata. E me fazia experimentar a sensação de estar em uma montanha russa: feliz-triste-feliz-triste-triste, tornando a tal felicidade mais acaso que destino e, portanto, angústia. Era um tempo em que achava que ela tinha mais a ver com o que vinha de fora e não com a maneira que eu tinha de lidar com a vida.  Conhecer melhor a mim mesma pode não me dar garantias de seguir sem imprevistos e acidentes e não dá mesmo, afinal há fatores externos, óbvio. Contudo me mostra onde estão meus próprios abismos, o que me derruba, o que me machuca, o que me põe em perigo e o que me cura, me protege e me salva.

Arquivo pessoal
O que é felicidade para você? Ele insistiu e eu despertei das minhas divagações, ponderando que essa é uma pergunta que a gente deve se fazer logo no início da jornada. Posto que a vida é trajeto, achei em tudo simbólico que tal questionamento me fosse feito num carro em movimento no meio da estrada. Felicidade pra mim é estar em paz com as próprias escolhas. É não esmurrar o irremissível. É estar pleno de si, com todas as incompletudes, imperfeições e incertezas. É conservar-se aberto ao aprendizado diariamente.  É saber-se, sentir-se e amar-se apesar de todas as situações adversas. É ser grato a tudo e a cada coisa, não porque gratidão está na moda ou porque isso pode ser uma barganha com o Universo, mas porque quem é grato vê/sente/vibra a vida mais bonita. É estar apaziguado com o passado e com a realidade. É estar cercado de e distribuir afeto. É não abraçar nem dar as mãos ao sofrimento. É buscar uma rota leve e solar. É estar pavimentando uma estrada alegre, apesar das inevitáveis frustrações e tristezas. É seguir em paz e poder curtir a viagem. 



6 comentários:

  1. Maravilhoso!!!
    O texto e as fotos carregados de simbologia, sensibilidade, beleza e verdades.
    Amei!

    Eliza Leal

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    1. Obrigada, Eliza!

      Amei saber que tenha gostado inclusive das fotos e que tenha sentido o texto como belo e verdadeiro.

      Beijo grande.

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  2. "Felicidade é coisa que existe da boca pra dentro, do lado avesso da pele." Perfeito, Marise! Sou do teu time, feliz ;)

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    1. Coisa boa saber disso, Sandrinha!
      Bora lá seguir nessa estrada ensolarada!
      Beijos.

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  3. Feliz de ler essa maravilha! Busca insistente regada a aprendizado constante. Tô contigo, em ambos! Te amo, amiga linda...a gente consegue! 😍😘

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  4. Como é bom saber disso, Ana! Somos aprendizes o tempo todo e gostamos disso. Depois que a gente aprende a aproveitar o trajeto, cada viagem tem outro sabor! Também te amo, querida!😘 Bora seguirmos juntas!🌷

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