De vez em quando uma pessoa iluminada traz para o cinema o texto de um grande autor. É um desafio e tanto! O pequeno príncipe, dirigido por Mark Osborne é um caso em que o sucesso dessa difícil empreitada pode ser constatado. Osborne, mais do que trazer para a tela o texto de Antoine de Saint-Exupéry, estabelece um diálogo entre a obra e a sociedade contemporânea e produz um filme que é, além de comovente, fonte para muitas e muitas reflexões.
A história da pequena estudante que deve preparar-se para a academia e para o sucesso profissional, como se esse fosse o único aspecto essencial para a vida de uma pessoa, e da amizade clandestina entre ela e um senhor pouco dado às convenções sociais (para dizer o mínimo), faz-nos pensar e repensar naquilo que muitos de nós temos feito com nossas crianças, bem como naquilo que temos esperado delas.
É bem verdade que assistir a um filme com crianças é muitas vezes surpreendente. Por exemplo, como esperar que crianças, em um filme em que a censura é livre, façam silêncio sepulcral para prestar atenção aos diálogos cheios de profundidade? Isso, graças a Deus, é impossível! Não tem jeito, na presença delas, há sempre pequenas e deliciosas considerações e muitos pitacos infantis com o avançar das cenas e a progressão da história. Pois foi imensa surpresa constatar que bastantes adultos fizessem "shiiiiiiiiu!" para um pequeno que beirava os três anos de idade durante a sessão cinematográfica. O menino, eufórico, chamava seu avô após identificá-lo com um personagem na tela. Digam lá: como conter a alegria de uma descoberta desse tamanho?! E para que conter, afinal?! Inevitável lembrar de uma das frases da história de Exupéry: "As crianças devem ser muito tolerantes com as pessoas grandes". Nem sempre é o comportamento da garotada que nos causa espanto.
Verdade, para quem gosta do silêncio nos cinemas e se incomoda com o ruído de pacotes de biscoito ou com o barulho de gente comendo pipoca, este é um fator a considerar. Crianças riem, dividem considerações em voz alta e fazem, sim, algum barulho. Assistir a um filme infantil com elas, felizmente, tem dessas coisas.
Voltando ao filme, pode-se sentir a falta desta ou daquela frase célebre, de um ou outro personagem, mas presumo que Exupéry não se importasse e, no fim das contas, é possível até que haja um propósito do diretor em omiti-los. A produção é uma lindeza, agrada. A fidelidade aos desenhos do autor do livro é um ponto alto. A mistura de mais de uma técnica de desenho também é um fator positivo. A música, o enredo e a plástica nos sensibilizam. Fazem-nos pensar no respeito à infância e, sobretudo, questionar o que é essencial para nós, para as crianças e para formar um adulto maravilhoso.
O filme aborda, com delicadeza, importantes questões como: amizade, poder, criança, infância, abandono, paternidade, maternidade, vida adulta e felicidade, sem abrir mão da fantasia. Além de tocar com encanto e poesia em temas capitais: vida, morte e permanência após a morte.
Ao resolver ir ao cinema e embarcar nessa aventura é preciso ponderar que haverá risos, questionamentos e lágrimas e que se corre o risco de voltar mais humanizado para casa. É imprescindível que haja coragem para se permitir encantar e para saborear o aplauso das crianças ao final.
Trailer do filme:
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