Então é mesmo assim, não é?! A gente tem uma vida, uma história, tem convicções, sabe o que quer, atribui valores sentimentais a casas, coisas e lugares, mas o mundo quer diferente e, de repente, acha que sabe o que é melhor para nós. Então, o mundo tenta nos convencer disso. Tenta nos provar que está certo e nos faz até duvidar de nossa própria sanidade mental. O mundo tenta nos confundir. Ele nos faz sentir inadequados. E, quando resistimos, primeiro tenta nos seduzir, se não cedemos, tenta nos coagir. Trapaceia e quer porque quer nos empurrar seu ponto de vista goela abaixo.
O mundo joga duro, joga sujo, joga
pesado. Ele se aproxima dos nossos entes queridos, nos cerca de todas as formas,
de sorrisos a ameaças. Não tem tempo para ouvir as nossas histórias e nem quer
saber o que realmente é bom para a gente. O mundo gira, em grande medida, na
frequência de um cifrão. O mundo é, muita vez, um leilão a céu aberto em que se
crê que tudo na vida tem um preço.
Esta é a grande sacada de
Aquarius: fazer-nos pensar naquilo que realmente importa, nas lutas que devemos
travar, nas consequências das nossas escolhas, nos obstáculos que teremos que
enfrentar por conta delas. O mundo representado em Aquarius é o mundo dos
negócios, mas essa é só uma perspectiva dos vários mundos em que estamos
inseridos. As analogias com a política, o esporte, a família, entre outras, são
inevitáveis.
O mundo nos empurra como massa de
manobra, segundo seus interesses nem sempre justos e lícitos e espera que ajamos
segundo as suas conveniências, segundo o que é melhor pra ele. É preciso que
estejamos atentos o tempo todo.
O filme é um mote para um
balanço, para olharmos o mundo de fora pra dentro e analisarmos as relações que
ele estabelece conosco. Para descobrirmos as sacanagens diárias que temos que
enfrentar. Para aprendermos a lutar por aquilo que queremos e enfrentar as
adversidades. Para lembrar das coisas que sabemos, mas que por vezes esquecemos,
como o fato de que nem toda gente joga limpo, que a maioria trapaceia e, vezes,
trapaceia com um sorriso no rosto, se achando muito esperta.
A personagem central, Clara, tem
objetivos bem definidos, conceitos muito bem construídos e uma fibra
impressionante. A escolha de seu nome certamente não é coincidência, como
também não será por acaso a escolha do nome do antagonista, Diego (aquele que
doutrina). Clara joga limpo e vai, dentro da licitude e da legalidade, lutando
com garra por aquilo em que acredita. Mulher independente e corajosa, que aprende
a duras penas que, na vida, não se pode deixar adoecer. Clara vive os dramas da atualidade e não esmorece.
Ela não permite que ponham preço em seus afetos e tem um olhar diferenciado
sobre a realidade, o que me fez lembrar um poema de Affonso Romano de
Sant´Anna:
“ERGUER A CABEÇA ACIMA DO REBANHO
Erguer a cabeça acima do rebanho
é um risco
que alguns insolentes correm.
Mais fácil e costumeiro
seria olhar para as gramíneas
como a habitudinária manada.
Mas alguns erguem a cabeça
olham em torno
e percebem de onde vem o lobo.
O rebanho depende de um olhar.”
Embalado por uma trilha sonora
dos anos 60/70/80, o longa tem um atrativo a mais para os amantes do vinil e uma
evidente relação entre as letras das canções selecionadas e os diferentes
momentos vividos pela protagonista. Enfim, o filme de Kleber Mendonça Filho é
um convite à reflexão e a um olhar mais amplo sobre o mundo e vem carregado de
princípios sobre os quais devemos lançar luz para a escolha de uma vida melhor
e para que saibamos identificar de onde vem o lobo nosso de cada dia. Vale a
pena conferir.
Confira o trailer do filme: