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São advogadas, corretoras, policiais, donas de casa, moradoras de rua. A violência contra a mulher não segue castas, é múltipla, plural e generalizada, ainda que não seja tão democraticamente noticiada pelos meios de comunicação. O tapa, o soco, o tiro disparado na noticia é apenas um átimo daquilo que realmente acontece em nosso país que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, tem a quinta maior taxa de feminicídios do mundo.
Os disparos
nas notícias me atingem. Atingem cada um de nós, quer sejamos ou não
conscientes disso. Atingem, machucam e ferem. Eles são a prova inequívoca de
que somos parte de uma sociedade violenta e, mais que isso, é particularmente
violenta em relação à mulher. Acendeu a luz vermelha: nossas mulheres – filhas,
irmãs, mães, amigas, colegas, vizinhas, conhecidas – podem não estar seguras em
suas casas. A violência contra a mulher parece lá, mas é aqui. Ela está muito
mais perto do que se imagina e nos espreita em cada esquina. É bom que
estejamos atentos.
Diante desse
contexto, é doloroso constatar que, em face de um discurso social cristalizado:
“em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, tanta gente se deixe em
paz em relação a não denunciar casos de violência contra a mulher. E é igualmente
dolorido notar que algumas dessas pessoas assépticas que não metem a colher na
relação marital dos outros, vêm a público e em redes sociais meter o malho no
comportamento das vítimas, num discurso que as desqualificam e culpabilizam.
Culpabilizar a vítima é fortalecer o agressor. É dar poder a ele. É legitimar
seu ato. É dar alimento à violência e ajudar a encorpá-la. Culpabilizar a
vítima é também um modo de tornar-se violento.
Culpar pode
também ser um atalho para se ver livre de ter que pensar sobre o problema. É,
eu sei, este é um assunto duro e indigesto. Eu sei que é mais fácil empurrar
pra lá, pra longe, pra amanhã, pra depois. É mais fácil, mas não ajuda nem
resolve. O silêncio só favorece os ciclos de violência. E, vamos combinar,
nenhum de nós quer viver em um mundo violento.
Sempre que
paro para pensar sobre esse assunto, penso naquilo que cada um de nós pode
fazer para contribuir para a mudança dessa situação. E, todas as vezes em que
penso no ciclo de violência (aliás, você já leu alguma coisa sobre o ciclo da
violência doméstica? É uma boa pedida para começar a entendê-la), penso que a
primeira atitude que cada um de nós pode ter é o aprimoramento da escuta.
Aprender a ouvir sem julgar. Em tempos de gatilhos prontos para o disparo, é
bom que aprendamos a ser os ouvidos que amparam, que acreditam e dão
credibilidade, que respeitam o tempo de cada um, que dão forças. Nenhuma vítima
de violência precisa de dedos apontados atirando culpas sobre ela, ao
contrário, necessita de mãos estendidas e ouvidos de acolher. Pode parecer
pouco, mas vá por mim, para uma mulher que está sob o jugo da violência, ter
apoio é fundamental. Ser ouvido atento pode ser um passo inicial para que essa
mulher consiga romper o ciclo de violência.
Eu sei,
muita gente pensa: “mas ela está com ele há tanto tempo, deve gostar de
apanhar!” Sabe, o ser humano é um ser complexo e a mente humana não é 100%
razão. Nem sempre é fácil romper com um agressor. Muitas vezes há questões
emocionais e práticas que dificultam a ruptura. Isso não quer dizer que aquela
que não consegue se libertar de uma relação violenta, goste de ser agredida.
Muitas vezes, a vítima sente-se numa gaiola de portas até abertas, mas não tem
asas para voar. Em muitos casos é preciso ajuda profissional para que as asas
brotem e ela consiga alçar voo para longe da violência. Não se pode subestimar
a dor de um pássaro preso, ainda que as grades sejam
impalpáveis para nós e que não consigamos decifrar seu canto.
Não pense
que proteger as mulheres significa perseguir os homens. Somos mulheres, filhas,
mães, irmãs, amigas, colegas de homens adoráveis e que estão junto de nós nessa
batalha contra a violência. Ser mãe de um rapaz fez meus poros mais abertos e
expostos para constatar as feridas que um mundo machista pode causar nas almas
masculinas também. Educar para o respeito e para a igualdade é parte do bálsamo
que pode curar tais ferimentos. A luta não é contra os homens, é contra a
violência. Um mundo que respeite as mulheres será um lugar melhor inclusive
para os homens.
Eu sei que o
medo de denunciar a violência tem a ver com o medo de se expor. Isso é humano e
é normal. É preciso sempre tomar as precauções necessárias. Denunciar não
combina com uma postura incauta. Acerque-se dos cuidados necessários e, se for
preciso, meta a colher, a caneta, o telefone, o e-mail. Se for pra salvar
alguém meta até o dedo na luta contra essa imensa e viva ferida social. Antes
que o sangue escorra, antes que a voz se cale, antes que o luto se instale,
antes que já seja depois.
(Publicado no Diário de Petrópolis em 22/08/2018)