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De longe, o menino me olha por um bom tempo. Aos poucos, ele vem se aproximando e continua buscando meus olhos. Dou-lhe um sorriso e ele chega até a mesa em que trabalho, hoje instalada em uma calçada bem em frente a um colégio municipal.
Meu trabalho tem dessas coisas. Há dias em que estamos em calçadas, outros em praças públicas ou nos saguões de terminais rodoviários, o que nos dá uma dose salutar de realidade. A rua remove os filtros da sociedade.
Falo com as gentes e procuro olhar em seus olhos enquanto as cumprimento e ofereço exames para infecções sexualmente transmissíveis. Brinco com os bichos que se aproximam, às vezes tenho um biscoito para oferecer. Crianças me comovem sempre. Sobretudo aquelas com olhar de dor.
O menino me olha em silêncio. Pergunto se poderia ajudá-lo de alguma maneira. Ele me encara e me pergunta se eu tenho como lhe arranjar um dentista. Abre a boca, passa o dedo indicador sobre a gengiva sem quatro ou cinco dentes da frente. Digo que ali não temos como resolver essa questão, mas que há um dentista no posto de saúde. Ele se afasta. Está só e se afasta sem desgrudar os olhos de mim.
Penso em várias possibilidades. Preciso dividir isso com alguém. Uma colega presencia nosso diálogo e se emociona. Eu e ela conversamos sobre o assunto. O que fazer, eu me pergunto.
O menino some de nossas vistas por um longo tempo.
Passava um pouco da hora do almoço, quando ele reaparece acompanhado de um menino um pouco menor. Trazia em uma das mãos uma pipa e os olhos fixos nos meus.
Passou na minha frente e batemos um papo. O menino agora tinha um nome e me deixou saber que o pequeno era seu irmão.
Aos 8 anos, experimentava vestir calças demasiado curtas para suas pernas, camisa rota, soltar pipa numa tarde ensolarada de sexta-feira, deixar de ir ao colégio em que está matriculado por não ter meios de chegar até lá e baixar os olhos constrangido enquanto me contava tudo isso.
O menino menor não dividiu uma palavra. Sequer me olhou. Cabeça baixa. Olhos grudados nos próprios pés.
A conversa terminou. O menino não arriscava dizer nada mais. Os dois se afastaram até que não mais os vi. No entanto, o que os olhos não veem, meu coração ainda sente.