quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Carpe diem

É primavera. Os agapantos vestem a cidade de flor. Os dias estão abafados e chorosos. Novembro chegou vertendo saudade. Soprando lembranças. Pressupondo recolhimento. Não o recolhimento dos que se escondem, mas daqueles que refletem sobre a vida e seus ciclos impermanentes. E o que é essa impermanência senão um imperioso mote  para que se procure vivenciar cada experiência em sua plenitude?

"Carpe diem", lembrei de um filme de 1989, "Sociedade dos poetas mortos". Se fecho os olhos,  ainda ouço Mr. Keating, o protagonista e professor de Literatura,   diante das fotos daqueles que já haviam passado pela universidade: "colha logo seus botões de rosa". "Aproveite o dia!" 

Rosa era o nome de minha avó paterna. Mulher que, com sua simplicidade, nos ensinou muito sobre a experiência de viver. Senhora de dedo verde,  cultivava agapantos um ano inteiro para homenagear os mortos da família no dia de finados. Era nossa xamã, nosso totem e pajé (descendia de índios brasileiros). Com naturalidade, cabia a ela contar as histórias de nossos antepassados e os manter vivos em nossas memórias, bem como estar sempre pronta a abençoar nossos caminhos.

De certa maneira, sermos sobreviventes da pandemia, um desencarne doloroso e  coletivo, faz de nós pessoas que sabem e que experimentaram  a brevidade e fragilidade da vida. Nossos paradigmas foram mudados. Coisas de quem sente mais do que sabe que o tempo um dia cessa.

Dia desses, no aniversário de minha prima, conversávamos sobre os legados da pandemia. Para ela, a COVID-19 veio, entre outras coisas,  mostrar precisamos valorizar aqueles que estão perto no momento. Festejar com os que estão na festa. Focar na presença e entender as ausências. Para mim, a pandemia gritou alto e bom som que precisamos cuidar de nós integralmente: mente, corpo, espírito e escolhas.

A morte/os mortos nos falam muito sobre a vida. E, como dizia Vinícius, "a vida é pra valer,  e não se engane não, tem uma só".  

É preciso honrá-la.

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