sábado, 25 de junho de 2011

Delirium

Rasguem os versos! Abaixo os poemas! Fora o lirismo! Sucumbam as rimas! Que nunca mais haja decassílabos sejam eles sáficos ou heróicos. Extintos sejam alexandrinos clássicos! Que a vida impera exigindo passagem e não tem paciência para eufemísticas firulas. O sangue corre inquieto nas veias. Desejo de gritar latejando nas entranhas. Pulsa.  Ferve. Bate. Queima. Arde. Aquece. Dói e felicita. É ela! É ela! 

Diálogo que impulsiona mudanças. Conversas que mudam destinos. Palavras que marcam encontros. Promessas cumpridas. Troca de olhares. Cúmplice cumprimentar de pupilas. Reconhecer imediato: olhos de esperança. Mudança do ritmo cardíaco. Leve ofegar de surpresa. Desassossegada troca de mimos. Olhos, mãos, braços, corpos e mentes unidos em pensamento único: - será?

Receios. Dúvidas. Temores: olhos de perguntas. Respostas dadas ou consentidas. Verbalizadas. Subentendidas. Sentidas. Permitidos gestos se fazem. Outros, contidos, silenciam. Mãos que se encontram, se tocam: trocam. Avançam. Hesitam. Experimentam. Despertam. Ousam e aproximam.

Olhos conversam. Mãos dialogam. Aquiescentes bocas se entregam, se descobrem, se querem, repetem. Outra vez. Olhos se falam, mãos se entrelaçam, mútuo abandonar de bocas intranqüilas. E recomeço. Ininterrupto processo de querer. Prosseguem. Dança de corpos que se estudam e se desejam. Delicioso descobrir de almas.

O que falam esses olhos que se beijam? O que observam essas mãos que se entreolham com o requinte da minúcia? O que lêem essas bocas tateantes?

Paixão é mesmo estouro de boiada. Espetáculo incontrolável. Beleza de se ver, respeitar e de temer. Delírio. Irrompe ao estampido de um gatilho qualquer, atropelando aos galopes as emoções contidas. Fascínio. Volúpia. Alucinação. Beijo entorpecido de contentamento desmedido.

Inútil tentar domá-la. Risco deixá-la correr sem destino pelas veias, vasos e artérias.

Falta inevitável de ar aos pulmões. Bate-que-não-bate-trotantes no peito. Barulho desatinado. Canção inaudível aos não envolvidos. Mistura de prazer e euforia. 

Paixão vem e passa, e quando vai, se não deixa o Amor, deixa um vazio imensurável em seu lugar. Vazio! Eis uma das razões do medo (outra é justamente o entorpecimento da razão). Por isso muitos a evitam, desviam. Ocorre que diante de tal sentimento, qualquer coisa menor parece um arremedo. Vida: iminente risco de sentir! Paixão: vento indomável que expõe a um redemoinhar constante. É necessário ter coragem para viver. Para apaixonar-se é imperativo ser intrépido. Paixão, felicidade intensa e momentânea. Ela jamais se dá, somente se apresenta, fundamental é conquistá-la.

Inebriante. Coexistente confundir de sensações. Frio no corpo. Alma abrasadora. Lancinantes carícias de deleites vários. Mistura de saber e ignorar. Mescla de doer e bem-estar. Vulnerabilidade. Pés fora do chão. Cérebros suspensos, anestesiados, em intensa névoa de prazer e incertezas. 

Converter a paixão em felicidade é uma arte. Experimentar essa felicidade: um desafio de todos aqueles que querem passar por esse mundo fazendo-a habitar em si mesmos. Deixar verdadeiras heranças de vivência. Ninguém flerta com a paixão impunemente. Ninguém que a conquiste olha em seus olhos e não encontra seu próprio reflexo estampado em suas íris. Mas se fasciná-la exige certo tato, redobrada atenção carecerá se a felicidade for comum objetivo de um par. Harmonizar um encantá-la a quatro mãos é bem difícil, todavia se ela acede aos duplos-unânimes apelos, recompensador. Será perfeito apadrinhar de escolhas, gloriosa bênção de desejos. Ela generosamente se converterá em dádiva. Será transfigurada em Amor.

Amor é calma. Paixão desassossego.



Fonte da imagem:
https://pixabay.com/pt

terça-feira, 21 de junho de 2011

Parto

Preciso esperar.
Ansiosa espero.
Ciosa espero.

Ans/ciosa, dia a dia inquieta
eu espero a espera se findar.

Espera, ânsia.
Nessa infinda,
vívida Esperânsia
esperanciã esperanseio.

Processo entreaberto de sangrar.

Porto de São Francisco - USA

Porto de São Francisco
Imagem disponível em:
https://pixabay.com/pt/s%C3%A3o-francisco-827642/


domingo, 12 de junho de 2011

Tintim!

Há palavras que trazem em si mesmas um bom astral. Sim, há palavras que têm uma energia boa e que evocam a ideia de carinho, de felicidade, de gargalhada, de alegria ensolarada da hora do recreio. A palavra namorado é assim.

Namorado traz em si mesmo a noção de espírito em estado de festa, de leveza, de coleção de momentos iluminados pelo riso, pelo afeto e por esse sentimento de que todo mundo fala o tempo todo: o Amor.

Coraçãozinho pra lá. Coraçãozinho pra cá. Em junho há uma invasão dos símbolos românticos para seduzirem os enamorados de plantão. Não há vitrines sem ursinho. Restaurantes sem rosas e velas sobre as mesas. Anjos que não sejam cupidos. Rádios sem flashbacks. Canais de TV sem anúncios com beijos apaixonados. Mais do que andarem felizes e sorridentes por aí, nesse mês (estou falando dos brasileiros) os namorados querem demonstrar esse afeto todo existente entre o casal.

Namorar pressupõe amar alguém. Namorar pressupõe felicidade por estar junto de alguém. Namorar tem aquele significado mágico de ter encontrado um par com quem dividir os contentamentos e as preocupações desse vidão que se apresenta a cada um de nós. Namorar é um compromisso assumido com a satisfação impressa no rosto.

Talvez seja por isso, pela ideia feliz que a figura do namorado evoca e provoca, que a grande maioria das pessoas “sozinhas” queira ter um namorado. Sozinhas entre aspas mesmo, porque ser sozinho, em absoluto, significa a mesma coisa que ser solitário. Há muita diferença entre um e outro conceito, mas esse é assunto apropriado para outro momento.

“Namorado” é palavra tão gostosa, tão confortável que alguns casais, assumindo um compromisso mais sério, preferem-se denominar “namoridos” a chamarem-se de esposos. Olha a manutenção da leveza aí.

No entanto, ao tratarmos de sentimentos, nem tudo é leveza e paz. Alguns relacionamentos são tão indefinidos que acabam por gerar em seus pares um extremo desconforto: o que será? - perguntam-se a si mesmos.

Parece verdadeiro que o fenômeno da globalização, de alguma maneira, tenha rompido também as fronteiras, vezes tênues,  entre os conceitos. Sendo assim,  de repente, surpreende-se alguém de nosso tempo sem saber lá muito bem em que tipo de relacionamento está mesmo inserido. É comum que alguns não saibam se estão “ficando”, se estão namorando, se estão tendo um caso, se cruzaram a fronteira dos amantes. Vira-e-mexe é fácil encontrar alguém aturdido em meio a esses questionamentos. Numa sensação de que “nada combina com coisa nenhuma”.

De fora parece muito simples classificar um relacionamento. Dentro dele, entretanto, em meio às emoções que desperta, aos sentimentos que provoca, às características que tem, a visão fica turva e a clareza quase desaparece por completo. Se houver nele a presença da paixão então, aí é que as capacidades de análise e de síntese ficam totalmente comprometidas e promover a definição de alguma coisa é tarefa quase impossível.

É importante que um relacionamento assuma uma configuração? Parece que sim.  Consciente da natureza do relacionamento, cada um sabe melhor o que esperar do outro e o que doar de si também. Não constrói castelos de areia e tampouco caminha para a frustração. Ter clara a noção do tipo de relacionamento em que se está inserido é mais ou menos como saber para onde fica o Norte e, desse jeito, saber qual é o curso que se deve seguir.

Talvez uma pista para que os “indefinidos’ comecem a achar definição seja responder a uma simples pergunta: o que fazem namorados? Namorados namoram, claro. Se em um relacionamento não há tempo nem espaço para o namoro, isso pode ser um indício de que namorados é que não são.

Para namorar é preciso sentir. Namorar no sentido próprio da palavra. NAMORO assim todo maiúsculo pressupõe leveza, prazer, sutileza, amor, cumplicidade, felicidade.  Alegria em estar com o outro. Namorar é estado de graça. 

Nesse 12 de junho, um brinde aos namorados que em seus relacionamentos conseguem traduzir  toda a delícia que essa palavra carrega em seu cerne.


ATUALIZAÇÕES:
Inseri a imagem em 05/06/2017, estava faltando um pouquinho de cor.
Fonte: https://pixabay.com/pt/ta%C3%A7a-alimentos-frutas-outdoor-1838538/

Aproveito, na mesma data, para acrescentar um link para uma belíssima canção. Na minha opinião, uma maravilhosa declaração de amor, já que adoro rosas amarelas, céu de Brasília, arquitetura, luz de estrelas, Djavan, Caetano e tudo  mais. É mesmo uma música repleta de alma. Diga lá se não é.



domingo, 5 de junho de 2011

Vidência

Foto disponível no Pixabay
Algumas pessoas, ao que parece, têm o poder de antecipar o futuro. Claramente, o conceito de vidência é um tanto mais amplo do que essa capacidade. Recorrendo  a Koogan/Houaiss: “vidência – dom sobrenatural (que se atribui a certas pessoas) de ver o passado, o futuro, objetos ausentes ou inexistentes, etc.”

Dependendo da ótica sob a qual for analisada a palavra, vidência terá um sentido ainda mais amplo do que aquele expresso nos dicionários.

Muito longe da ponderação de que essa capacidade realmente exista ou não, isso não vem ao caso, pensar um pouquinho (bem pouquinho) nos efeitos ou na necessidade desse tipo de revelação  é o se propõe aqui.

Muita gente, pelos mais variados motivos, inquieta-se com o futuro. Há quem busque a adivinhação porque precisa da sensação de controle absoluto de sua vida. Controle absoluto?! Ninguém o tem, mas é muito difícil admitir. Não há controle remoto universal que dê conta de comandar os acontecimentos da vida de quem quer que seja. Há quem tenha medo do amanhã e, desse modo, acredita que uma antecipaçãozinha básica aqui e acolá pode acalmar as ansiedades. Esquece-se de que pode deixá-las mais nervosas também. Há quem busque a certeza de que seu maior desejo será realizado algum dia. Será?! Não será? As dúvidas não são molas propulsoras de movimentos? Não têm a sua função? Enfim, as razões para a busca das respostas futuras são muitas e, estou certa, psicólogos e psiquiatras fariam com facilidade um rol enorme dessas razões e objetivos.

A “pergunta que não quer calar”: quais os impactos que uma revelação do futuro pode desencadear na vida de uma pessoa? Partindo de uma lógica simples, pode-se pensar que, se as indicações forem positivas, haverão de impulsionar positivamente a vida do sujeito. Entretanto, se as coisas não forem tão positivas assim ou forem mesmo revelações bombásticas, isso pode prejudicar a vida do “curioso”. E o vidente? O vidente pode prever que transtornos ou benefícios terão essas notícias na vida do cidadão que o procura? Se pode, no caso de efeitos negativos, por que revela? Se não pode, por que o faz?

Não é raro ouvir relatos de que não é possível modificar essas “profecias”. Sendo assim, qual será o objetivo de “profetizá-las” a não ser a tortura psicológica do “curioso”? Uma vaidade? Excetuem-se aqui os casos clássicos de charlatanismo, que esses têm objetivos muito claros. Perdoem-me o paradoxo. 

A verdade é que, por acreditarem que alguém pode prever o futuro, muitos se matam porque o mundo vai acabar em tal dia como disse tal pessoa. Outros mudam suas vidas, transferem-se de estado, de cidade, de país. Muitos entram em pânico, outros paralisam, congelam. Outros pautam as suas decisões nessas visões, ficam reféns delas. Vivem com uma sombra, um fantasma ou uma dependência.

Uma coisa é certa, quem se antecipou às catástrofes profetizadas e procurou o abismo antes mesmo de pagar pra ver se elas se concretizariam ou não, não está mais aqui para saber o que foi mesmo que aconteceu. Tentar descortinar o futuro pode paralisar o presente, pode doer e atordoar. Assim, é necessário saber, antes de procurar um vidente, que os efeitos desse encontro podem não ser exatamente tão inofensivos assim.

Para as incertezas da vida, viver é o melhor remédio.