domingo, 20 de maio de 2018

No Amor, no Vale e na Vida

Vale do Amor – Fazenda Inglesa, Petrópolis

Dia desses, tive oportunidade de voltar a um espaço que está causando muito burburinho em Petrópolis: O Vale do Amor. O local, que pertence à Fraternidade Cósmica Universal e que, além de lindo, tem uma energia incrível, ainda está em construção e, segundo me informou um dos responsáveis por sua conservação, foi descoberto pelo público antes do tempo. Para mim, que gosto de acompanhar o processo de fazimento e transformação de coisas, lugares e pessoas, esse é mais um dos atrativos do lugar.

Visitá-lo pode ser em tudo simbólico. Desde o acesso, que conta com trechos de chão batido e que exige alguma perícia ao volante para driblar os obstáculos, é possível transcender o plano físico e partir para a prática reflexiva. Afinal, o amor, até mesmo o próprio, pode ser lindo, mas nem sempre é fácil, nem sempre é doce, nem sempre é uma viagem tranquila em uma estrada perfeita e pavimentada. Quem nunca derrapou na estrada amorosa que atire a primeira pedra e lance ao lixo todas as suas caixas de lenços de papel. E por falar em pedras, há muitas delas no caminho. É preciso transpô-las com o máximo de cuidado e prosseguir, no Vale e na vida.

Segundo Sérgio Fecher, idealizador do espaço, o Vale é a proposta de um Asham Universalista com elementos das culturas cristã, budista, taoísta, hinduísta e umbandista com o objetivo de promover uma conexão entre o ser humano e a grande força criadora do Universo. Tudo isso cercado de uma enorme variedade de plantas e jardins, de cantos dos mais variados pássaros, do barulhinho de água correndo por entre as pedras, do ar puro e do frescor de uma cidade serrana. O local é encantador e tem muito a oferecer. É um oásis eclético e parece nos dizer o tempo todo que no amor, no Vale e na vida, preconceitos não devem ter vez. Não é à toa que o espaço nos conduza naturalmente ao respeito, à contemplação e à meditação e nos conecte com o amor em cada detalhe.

Localizado no fim do bairro Fazenda Inglesa, não é difícil, diante de uma desatenção, errar o acesso até lá. Como no amor, é possível que os distraídos peguem uma ou outra estrada que não os levará ao destino desejado. Eu mesma já errei o caminho no Vale, no amor e na vida, e nem por isso deixei de me encantar com a paisagem, tudo é parte integrante da caminhada. Na direção do Vale, no entanto, se prestarmos atenção, há umas plaquinhas rústicas indicando a direção, o que facilita bastante o percurso.

Descobri-lo é parte do deslumbramento. Ele é um todo integrado à natureza e está localizado no ventre de uma reserva de Mata Atlântica, pródigo de vida. Traz em si a proposição de uma peregrinação entre um espaço e outro, sempre em aclive. Assim sendo, para desfrutar de sua beleza, diversidade e quietude é preciso disposição para caminhar, especialmente em pequenas subidas. O trajeto é amorosamente acidentado, não muito, apenas o suficiente. Logo, o ideal é usar roupas leves e que permitam a liberdade de movimentos, bem como calçados confortáveis e de solados aderentes para evitar escorregões na descida. O lugar combina com simplicidade, algum esforço, equilíbrio, moderação e nos faz lembrar que leveza e prudência são sempre bem-vindas na vida, no amor e no Vale.

Como já disse, o espaço fica no seio da Mata Atlântica. Desse modo, é bom ter em conta que consciência ecológica não faz mal a ninguém. É imperativo evitar quaisquer danos à natureza, ali ou em qualquer outro lugar a que se faça uma visita. É fundamental aproveitar o ensejo para o exercício do respeito à flora e à fauna locais em cada parte e o tempo todo. Além disso, o Vale do Amor é fruto do sonho de alguém, é bom que não se perca isso de vista.  Sou o tipo de pessoa que entende que o simples fato de estar pondo os pés nos elevados sonhos de alguém já deveria bastar para se ter consciência de que se está a pisar em território sagrado. O espírito afobado de turistas esbaforidos não combina com a atmosfera e destoa do ambiente. O lugar pede uma postura mais introspectiva e respeitosa. Deus é antes de tudo respeito, independente da religião de que se faça parte.

Um sonho. É assim que me refiro ao lugar. É desse jeitinho que o sinto. Um espaço para estar pertinho do Criador e de suas criaturas. Uma oportunidade de flerte com os mais variados aspectos de diversas filosofias e religiões, ou simplesmente um momento de estar em contato com a natureza. Uma oportunidade para se aproximar de si mesmo, de se ver, de se ouvir, se acarinhar. De ofertar a si a beleza e a paz, que são santos remédios para as intempéries da vida. Para ir até o lugar, não é necessário ter crença, mas é imprescindível ter/ser/sentir amor. Amor no sentido lato. Eu recomendo.


Outras fotos disponíveis em:

Informações sobre o projeto podem ser encontradas no site da 
Fraternidade Cósmica Universal:



sábado, 5 de maio de 2018

Filosofando


Numa sala de aula, a professora de Filosofia da filha de uma das minhas amigas – com toda a distância que essa descrição sugere, já que da educadora não sei sequer o nome - passou uma tarefa para casa: assistir a um determinado filme em companhia da família. Cumpridora de seus deveres e parte integrante de um núcleo familiar amoroso, atento e atuante em tudo o que diz respeito a sua educação, a jovem realizou com prazer e louvor o trabalho proposto pela escola (isso nem sempre é possível). Assistiu à película, conversou longamente sobre ela com os pais e juntos analisaram, interpretaram, criticaram, apreciaram, trocaram.

No trabalho, durante o almoço, a mãe da menina repartiu a experiência. O papo esquentou, a conversa fluiu. Resultado: saíram todos da mesa com uma vontade imensa de devorar a obra cinematográfica em questão, meu inclusive. Bastante inquieta e curiosa, tratei de me movimentar e assistir a Para sempre Alice, um filme baseado no livro de Lisa Genova, que foi produzido em 2014 e ao qual, por uma razão ou por outra, ainda não tinha assistido.

O longa, que deu o Oscar de melhor atriz a Julianne Moore pelo papel de uma renomada linguista que sofre precocemente do Mal de Alzheimer, põe o espelho diante de nós, reflete e nos faz refletir sobre a possibilidade de um dia perdermos nossa autonomia, nossa identidade, nossas marcas registradas.  Trata da nossa finitude sem se ater ao inexorável destino que teremos todos nós. Ao contrário disso, fala das diversas mortes possíveis de se experimentar ainda em vida: a morte da memória, dos desejos, da consciência e do embotamento da inteligência. Diz sobre a morte social, sobre o fenecer dos vários papéis que exercemos ao longo da vida. E do nosso nascimento em outros papéis muitas vezes desconfortáveis  em face de uma doença. Além disso, olha de maneira sensível e competente para a reação daqueles que estão em torno de nós em cada um desses "falecimentos". Das dificuldades de lidarem conosco e com eles mesmos diante dessas situações. Das angústias de ser cuidador.

Para sempre Alice é, antes de tudo, uma belíssima reflexão sobre a impermanência. Sobre o fato de sermos todos os dias um pouco novos, um pouco outros de nós mesmos, para o bem e para o mal. Dependendo da situação. É também um nítido retrato da necessidade de nos movimentarmos para a adaptação e o convívio com as novas situações. É, sobretudo, a exposição clara e inequívoca de que não temos o controle absoluto de nossas vidas em nossas mãos. De uma hora para outra, tudo pode mudar. Enxergar isso pode ser um diferencial na hora de eleger nossas prioridades. Pode nos fazer buscar a essência.

Ao falar sobre as perdas e limitações impostas pela doença de que sofre a protagonista, o filme nos aproxima sensivelmente daqueles que somos hoje e nos faz querer viver melhor a partir de já, de ontem se fosse possível. Fixa-nos um pouco mais no presente e nos transforma um tanto. Aproxima-nos dos nossos afetos, dos nossos amores, de tudo o que nos é caro. Avizinha-nos do valor que tem nosso tempo.

O discurso de Alice para uma plateia de médicos em um congresso é um dos pontos altos do filme. Vemos ali toda a riqueza de seu intelecto a serviço da melhor qualidade de vida para ela mesma e para os que a cercam. Convivemos com os mecanismos criados por ela para, dentro do possível, vencer os limites impostos pela enfermidade que a acomete. Experimentamos seu sentimento de perda,  sua consciência sobre tal agravo, sua coragem para o enfrentamento do problema e sua luta. Deparamo-nos com a generosidade de alguém que quer, com a sua história, contribuir para a maior compreensão dos sentimentos e o melhor atendimento de portadores da mesma doença. A cena do discurso de Alice é daquelas que devem ser revisitadas de vez em quando. É um tremendo estímulo para valorizarmos cada momento vivido, já que a vida é o somatório de momentos vivenciados ou não. É bom ficarmos de olho no piloto automático.

Mas você lembra onde começou nosso bate-papo? Isto mesmo: numa escola! Nossa conversa é fruto da tarefa proposta dentro de uma sala de aula num colégio que jamais frequentei, reverberando aqui em casa, em você e sabe-se lá onde mais. É a Filosofia gerando frutos e nos alimentando. Cumprindo o seu papel de contribuir para o crescimento individual e coletivo numa onda de reflexão. A Filosofia, a Educação e o Professor  têm mesmo dessas coisas, não é à toa que metem medo em tanta gente muito mal intencionada.
------------------

UM POUCO MAIS:
Neste link é possível baixar um excelente artigo da escritora Heloisa Seixas, Flertando com as sombras. O texto trata das dificuldades que ela teve ao precisar lidar com a mãe acometida por Alzheimer e também sobre o enfrentamento de outras dificuldades. Coincidentemente, caiu-me nas mãos enquanto escrevia essa crônica. Recomendo a leitura. Sobretudo para aqueles que lidam com essa questão.
https://www.sescsp.org.br/online/artigo/12016_FLERTANDO+COM+AS+SOMBRAS

TRAILER DO FILME: