O menino passa com sua caixa de sapatos
pedindo uns trocados em plena 16 de março
engulo as lágrimas
calo o choro
tenho a boca seca
e a alma encharcada de pranto.
Ouço a moça sentada na calçada na porta
do mercado da Marechal Deodoro,
com o filho mal agasalhado nos braços,
a murmurar-me um pedido de frutas
para adoçar a boca (ou aquecer a alma?)
do rebento.
Nego, sigo, empaco.
O murmúrio nos olhos daquela mulher
me fez olhar para trás.
Flagro uma senhora
(quem sabe a mãe da moça)
devorando uma espécie de tangerina,
ainda meio envolta em cascas.
A cena é dura
a fome com que come corta-me.
Volto.
A jovem com o filho nos braços
e com olhos súplices me encara.
Cruzamos olhares, trocamos falas:
- Que frutas seu filho come?
Dou-lhes uma porção das escolhidas
que, sei, não matará suas fomes
- plurais -
apenas por hoje, quem sabe amanhã ainda
tornará suas vidas um pouco mais palatáveis.
A Criança dorme
a Senhora fita-me
a Moça me doou um sorriso:
alimentou-me.
Prossigo.
Pelo caminho, meus olhos sangram
desse, às vezes, sangue sem cor
que vertemos de tristeza.
Preciso café
expresso pequeno e forte
enquanto enxugo o pranto.
Sigo.
Passo pela Praça Paulo Carneiro.
Onde antes havia caminhas para cachorros,
há uma fina manta cor de rosa estendida no chão:
um Homem dorme.
As camas dos cachorros já não há
um Homem dorme no canto da praça
desamparado até pelos cachorros
que estão juntos se aquecendo
ao centro dela.
Havíamos dado cobertor às gentes
e começávamos a ajudar os bichos.
Que retrocesso!
Engulo seco
não dá mais pra não notar
a Fome, o Medo e o Desamparo
estão berrando em vias públicas
de cidades, de estados, do país.
Levei um soco
era domingo
hoje é terça
e a Dor não passa.
Tudo é tão difícil... infelizmente, não poemos salvar todo mundo, não há como. Fazemos o que pudermos por quem nos chega.
ResponderExcluirVerdade, Ana!
ResponderExcluirÉ doloroso!
Grande abraço.