Já passava da metade do mês de janeiro e ela estava lá, no canto
da sala, me olhando de soslaio e me lembrando de que era extemporânea. Dizia-me insistentemente
que, segundo as regras do manual do tempo certo de fazer as coisas – ele existe
ainda que tacitamente – eu já estava uns doze dias atrasada e que o Ano Novo queria
começar, enfim.
O Natal tinha sido pleno de leveza e carregado de felicidade, um momento alegre em um ano conturbado. De uma
felicidade genuína e que realmente importa. Talvez por isso eu resistisse tanto
em acomodá-la nas duas caixas que a acolhem por onze meses a cada ano.
Ela é simples. Bonita em sua simplicidade e abarrotada de
significado. Lembra festa, vida, nascimento, partilha, presentes. Tem aquele
quê de promessa de que no fim vencerão os bons e sublimes sentimentos, e de que
há uma harmonia possível no horizonte.
Naquela manhã ela gritou mais forte. Bradou inadequação. Olhei-a
atentamente e fui observando cada detalhe. Há ali muitos amigos representados
nos enfeites: um anjinho aqui, uma botinha acolá, uma guirlanda. É permeada de
presenças. Há de meus amigos e há de mim também. As notas musicais que a
adornam são de mim. Concebo música como gênero de primeira necessidade. Não podia faltar ali. De mim
também, há um Papai Noel de absoluta irreverência em short e mangas curtas e um
outro pedalando uma nada convencional bicicleta. Quem sabe eles não estão ali
para atenuar aquele carrancudo velhinho da minha infância, que me assustava tanto,
a despeito dos presentes que trazia?
É que aquela figura parecia ter uma bola de cristal capaz de
dar conta de cada uma das minhas mais graves pisadas de bola, durante o ano
inteiro. Encontrar Papai Noel era fazer um flashback das malcriações e prometer
que seria melhor no futuro, ainda que, em alguns aspectos, eu soubesse que isso
era absolutamente impossível. Era um Papai Noel bem invocado aquele da meninice.
Viajei nas lembranças.
Quando dei por mim: árvore e enfeites na caixa e uma coleção
de momentos revividos ao guardar cada objeto. Percebi que cada uma daquelas
coisas me fazia mais próxima de bem-quereres e afetos vários, de tesouros e
bagagens muitas. Bingo! Aí está o motivo de tanta demora em desmontá-la
adiando-a uma vez mais para dezembro: minha árvore contadora de histórias é amplo
manifesto de sentimentos nobres. A cada natal, percebo agora, junto de mim e
dos outros para compor um símbolo de apreço e amizade.
A vida tem dessas coisas, você começa a desmontar a sua Árvore
de Natal e realiza uma viagem no tempo. As coisas, às vezes, têm alma. É preciso ter olhos de enxergar. Que
saibamos embarcar nas boas recordações todas as vezes que elas nos tragam
conforto e paz. E que estejamos sempre no presente para plantarmos e colhermos
afetos no ano que nasce todos os dias.
Bem-vindo, Ano Novo!