domingo, 27 de novembro de 2016

De pai para filha

O que a gente faz, faz de coração.
Fala sério! Quem nunca sofreu decepções? E quem, depois de sofrê-las, nunca precisou de um colo? Quem nunca ficou colocando na balança se devia ter feito tudo o que fez em um namoro, uma amizade ou casamento? Quem?! Quem nunca achou que se doou demais em uma relação, que atire o primeiro lenço.

Em matéria de relações humanas, todos nós temos nossa dose de complicação. Escreveu não leu, ou mesmo que tenha lido, há um problema pra enfrentar. Dores, tristezas, e desilusões fazem parte dos desafios que os relacionamentos nos propõem.

Como tantas outras pessoas, tenho lá o meu lado “complicado e perfeitinho”.  Sim, também eu sou uma mulher de fases (graças a Deus!). E quando o calo aperta, quando a dor incomoda, trato logo de procurar refúgio para uma conversa terapêutica. Desabafar pode ser curativo, à medida que falamos daquilo que vai dentro de nós, nos escutamos e nos compreendemos um pouco melhor. Acho que é por isso que, em geral, quando temos um problema,  precisamos falar daquela história muitas e muitas vezes, até que ela se esgote em nós. É como se ela fosse se resolvendo em sílabas. Haja ouvidos disponíveis para nos auxiliar nessa tarefa! Ainda bem que eles existem.

Uma conversa desse naipe requer que esses ouvidos sejam confiáveis e generosos. Somente aqueles que nos amam (e amam muito) têm a força necessária para conviver com o melhor e com o pior de nós. Meus pais são desse jeitinho: pacientes e altruístas.  Sempre prontos a me escutar, ainda que às vezes, sinto, achassem melhor não verem de forma assim tão crua meus dramas e dissabores. Fortes, firmes e gentis, não raras vezes, me emprestam os ombros e me dão parte significativa de seu tempo. Tenho ótimos amigos, que também me presenteiam com a sua cumplicidade, mas hoje quero mesmo é falar de um diálogo que tive com meu pai.

Pois é, já faz um tempo, estava eu num chororô daqueles, já soluçante, descendo a Serra Velha da Estrela, dirigindo o carro de meu pai e dividindo com ele toda a minha angústia. Chorosa e irritada (com raiva mesmo), eu reclamava o tempo que havia gasto e o tanto que tinha doado de mim mesma naquele relacionamento que me causara tanto sofrimento. Ia eu, Serra abaixo, desfiando um enorme rosário de “eu não”: eu não devia ter feito isso, eu não devia ter dado aquilo, eu não devia tê-lo ajudado em tal ocasião, eu não devia..., ele não merecia...  quem nunca, né?! Lugar comum de todas as frustrações. Meu pai olhou pra mim e, com a voz doce e firme, me chamou à razão: você devia ter feito tudo o que fez, sim! Nas relações, devemos sempre dar o melhor de nós e, se for possível, deixar a pessoa com quem nos relacionamos melhor do que a encontramos, nunca pior. Em cada relação temos que acreditar e oferecer o nosso melhor. Se não der certo, você terá feito o máximo que pôde. Você estará em paz.

Aquilo foi como um choque. As lágrimas cessaram instantaneamente.  Meus horizontes se ampliaram e comecei a enxergar a situação de uma perspectiva completamente diferente. Aquilo era verdade, a razão até já sabia, mas, naquele exato minuto, tinha feito sentido pra mim. Acolhi aquelas palavras como preciosidades. Conversas desse quilate reverberam em nós pela eternidade, autêntica herança deixada em nosso território afetivo. Jamais me esqueci desse dia.

A dor é justa, dividir-se é preciso, reclamar faz parte, mas, vezes, ficamos tão autocentrados que nos esquecemos de olhar o relacionamento como um todo, como oportunidade de crescimento, como parte de um aprendizado, como uma experiência rica, repleta de vivências e significados. Como é bom ter alguém que nos ajude a despertar desse transe! E como é bom que esse alguém seja o seu pai! Valeu muito (e continua valendo), pai!

Pai, palavra forte e prenhe de significado. Feliz o cara que, tendo um filho, enxerga a grandeza da paternidade e, não abrindo mão de exercê-la, se inscreve de forma positiva e indelével na vida de seu filho.

(Publicado no Diário de Petrópolis, em 16/08/2018)


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