domingo, 18 de dezembro de 2016

As lições de Garibaldi

Garibaldi era um gatinho arredio. Opa!  Ah, sim! Vou falar de um gatinho que para falar do personagem histórico, Giuseppe Garibaldi, há bastantes historiadores competentes.  Voltando ao felino, Garibaldi foi abandonado por sua família original, assim que esta mudou de endereço. Ele e uma adorável irmãzinha foram deixados sozinhos numa casa sem água nem comida, entregues à sorte. Sem qualquer combinação, eu e outros vizinhos, resolvemos alimentá-los.  

Todos dois eram bem miudinhos, embora não fossem filhotes, mas se a relação com a fêmea era bem fácil, Gari não chegava nem perto de nós. A “menina” deve ter sido adotada, ele continuava lá, só e fugidio. Num dia de chuva, me seguiu até em casa e, uma vez que pus um potinho com água e outro com ração na varanda, ele jamais foi embora. Era uma relação a distância: fugia de nós, dormia no balanço e estava feliz.

Garibaldi na rede, meu companheiro de embalo
Gato tigrado, de olhos verdes e expressivos, muito bonito. Incomodava-me o fato de não poder acarinhá-lo e, de pouquinho em pouquinho, fui tentando aproximação com ele. Foi um namoro longo, o que me fez lembrar da raposinha de O Pequeno Príncipe. Fomos nos aproximando um tantinho mais a cada dia, até que ficamos íntimos amigos. Era muito carinho, muito cafuné, ronrom pra todo lado e muito pãozinho amassado. Confiando em mim, expandiu seus vínculos com meus familiares também. Não demorou nada e já era o xodó da família. Garibaldi experimentou o afeto e o aprovou. Ficou especialista. Em pouco tempo era querido de conhecidos e desconhecidos.

Como havia sido criado soltinho da silva por aí, não se adaptou quando quis trazê-lo para dentro de casa. Era julho, estava frio e me preocupava com o seu bem-estar. Em casa, miava uma barbaridade e se batia contra as janelas querendo sair. Desse modo, mesmo no frio, Gari ficava no quintal e dormia na varanda, vezes no balanço, vezes dentro de um cestinho preparado com todo carinho para ele.

Valente, virava e mexia, metia-se em disputas felinas com os gatos da vizinhança até que um dia sumiu. Uns três ou quatro dias depois foi achado por uma conhecida e levado muito machucado a uma clínica onde permaneceu internado. Ficamos angustiados, não tínhamos notícias dele.  Quando soubemos de seu paradeiro e de sua situação, eu e minha família trouxemos o bichano para casa. Estava extremamente ferido. Eram curativos e cuidados diários e muita sujeira para limpar algumas vezes por dia. Depois de melhorar um bocado, de ficar mais forte, passou por uma cirurgia para amputação do rabo e vieram mais cuidados, mais curativos, mais despesas, mais sujeira, mais limpeza, mais dedicação. Minha área de serviço virou uma enfermaria por uns três ou quatro meses. Com os mimos recebidos, Garibaldi teve uma recuperação surpreendente.

Faltava quase nada para a cura completa, apenas uma pequena feridinha perto do coto de seu rabo, quando o gato, que já estava bem fortinho, começou a se sentir incomodado com o fato de estar “preso” e novamente começou a bater-se contra as janelas na tentativa de ganhar a liberdade.

Eu o soltei. Ele ficou numa felicidade sem medida. Lá estava o Garibaldi em cima do telhado apanhando sol novamente. Como era de costume, ficava na minha varanda, vinha fazer as refeições e aproveitávamos para cuidar do ferimento devolvendo-o logo em seguida a sua vida independente, assim se passaram dois dias. Depois disso, ele sumiu e deixou uma enorme saudade em seu lugar.

Prefiro pensar que está vivo, que alguém tenha visto aquela pequena ferida e que, sem saber de toda a sua história, tenha se apiedado dele e o levado para casa para lhe dar abrigo e cuidado. Pensar dessa maneira me conforta.

No último dia 13, fez um ano que meu gatinho malandro, meio Mandachuva e meio Batatinha, foi embora sem deixar sinal e, como ele marcou a minha história, fiquei pensando em tudo o que pude aprender com a presença e com a ausência dele em minha vida.

A primeira lição que aprendi foi que amor de bicho é autêntico. Não faz média nem nove horas. É papo reto. Fica tudo às claras sempre. Se quer proximidade demonstra e quando quer distância também.

A segunda foi sobre a importância da adoção responsável. Bichinho é para sempre. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Isso precisa estar claro. O tratamento de Garibaldi custou uma nota em um momento bem complicado a minha vida. Ainda assim, como deve ser, eu e minha família não abrimos mão do pequeno por conta disso. 

Cafuné no Garibaldi
As outras lições são mais sutis e dão conta de que, não importa o que se faça por quem quer que seja não se sabe a hora em que esse convívio cessa. O futuro é uma incógnita e é preciso que se faça o melhor possível.  É necessário aproveitar bem as oportunidades que se apresentam. Aprendi que afagos ajudam na recuperação dos enfermos, e que isso não é mito, é visível a olho nu. E constatei que há um limite para auxiliar o outro. É importante respeitar seu espaço, ainda que isso seja difícil e doloroso. Garibaldi me ensinou que, quando tudo dá errado, é preciso converter a tristeza da distância em boas lembranças para que, no fim das contas, sobre gratidão pelo tempo vivido em comum.

Gatos, em geral, nos ensinam que amor e posse não combinam, que devemos respeitar o desejo alheio, que sutileza é muito mais eficiente do que agressividade e que liberdade é fundamental. Esses animais fantásticos interagem conosco o tempo todo e nos fazem humanos um pouquinho melhores.

4 comentários:

  1. Que lindo, Marise. Quem amou um gato não consegue mais viver sem eles... Eles tem muita paciência com a nossa pouca sabedoria. 😻
    Bjos
    Eliza Leal

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    1. Eles são fofos, Eliza. E nos cobrem de carinho. Não consigo entender porque há tanta resistência com os felinos. A relação de amizade com eles é uma delícia.
      Beijos,
      Marise.

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  2. Nos ensinam muito mesmo mas só alguém sensível tira dessa relação ensinamentos que transporta para as relações humanas

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  3. Obrigada pela leitura e pelo comentário.

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