Era perto das oito da noite
quando todas as luzes do Theatro Dom Pedro se apagaram. Ouvia-se uma voz
delicada e firme, cativante desde a emissão da primeira nota. Uma luz suave foi
aos poucos trazendo os contornos do rosto e do microfone de onde brotava aquele
som intrigante. Era a Caravana Tonteria desembarcando em Petrópolis ao som de “Paroupupti”, uma das composições de Letícia
Sabatella, escrita na língua dos índios krahô, que habitam a região norte do
estado de Tocantins.
Depois de a plateia explodir
em aplausos e as luzes tomarem conta do palco, a cantora/atriz ou atriz/cantora
- nesse caso a ordem dos fatores não altera o talento - faz uma breve
referência à sua ligação com os índios krahô e sua admiração pela relação de
respeito e harmonia que eles conservam vivendo em comunhão com a natureza e ressalta
o valor do equilíbrio, palavra-síntese do ideal krahô.
Para quem já estava deliciosamente surpreso com a primeira canção, com a afinação e a força da voz de Letícia, havia algo inesperado: estavam presentes no teatro sua mãe e seu pai e isto a deixara visivelmente feliz e emocionada. É impressionante como a mulher tímida ao falar se transforma ao cantar. Parece duas pessoas, a que fala e a que canta, o que certamente lhe acrescenta uma dose extra de charme.
Para quem já estava deliciosamente surpreso com a primeira canção, com a afinação e a força da voz de Letícia, havia algo inesperado: estavam presentes no teatro sua mãe e seu pai e isto a deixara visivelmente feliz e emocionada. É impressionante como a mulher tímida ao falar se transforma ao cantar. Parece duas pessoas, a que fala e a que canta, o que certamente lhe acrescenta uma dose extra de charme.
O show vai se desenhando e
se revelando, e o encantamento é sempre em ordem crescente. De
repente, surge um quase inacreditável “Retrato em branco e preto”. Um saboroso
espanto aos sentidos. E, se alguém achava que tinha encerrado a cota de Chico
Buarque naquela apresentação, irrompe no tablado uma performance cheia de
personalidade de “Geni e o zepelim”.
Tango, mantra, português,
inglês, francês, italiano, um toque de sapateado, um ambiente de cabaré, uma
vertiginosa variação de ritmos e idiomas que inebria e arrebata todos
incontestavelmente. Agudos, graves, sussurros e surge uma inesperada cuíca num
buliçoso sambinha em plena apresentação. Eu disse cuíca?! Sim, eu disse, mas
não era, era a vocalista mostrando mais uma de suas facetas musicais.
Há que se destacar o duo
protagonizado pela artista e por Fernando, que tempera a encenação com humor, maestria
e vitalidade.
Quando já não se sabia o que
esperar, a moça convida sua mãe para que juntas cantassem “Legata a un granello
di sabbia”. Tudo era poético. O visível carinho e cumplicidade entre a atriz e
sua mãe. A delicadeza ao modular sua voz e simplesmente acompanhar D. Marilza
Sabatella. A reverência com que a senhora foi conduzida até o palco. Tudo
transpirava respeito e emoção. Um momento sublime, sem dúvida. Um presente para
quem compareceu ao espetáculo.
A exibição chega ao fim e o
público parece não crer que acabou. Aplaude de pé e, quando os músicos se retiram,
silenciosamente senta-se e aguarda para ver o que acontecerá. Quando o baixista
volta ao palco e desliga o instrumento, a esperança se esvai e, enfim, as
pessoas começam a ir embora. Para quem não conhece Petrópolis, talvez seja
surpresa perceber que o público é extremamente contido em pedir “mais uma”, mas
dessa vez havia um certo desconcerto em saber como proceder. É show? É teatro?
O que fazer? Nenhuma palavra, apenas o gesto incomum de aguardar. O público
estava levemente ébrio e atônito. Era muita habilidade e informação para
processar. Havia sido bom demais.
O talento dos músicos, a
versatilidade de Fernando e Letícia, a perfeita interação entre eles em cena.
Tudo é superlativo. Todas as palavras que usasse e todas as descrições que
tentasse não dariam conta da grandeza da Caravana Tonteria no palco. Se não
bastasse o meu próprio encantamento e o daqueles que me acompanhavam, encontro
na saída do teatro um amigo que de pronto, antes de qualquer cumprimento,
exclama: que mulher! Ali estava o mais perfeito resumo da noite de sexta: tudo
eram exclamações.
MAIS SOBRE A CARAVANA
TONTERIA:
A Caravana é formada por
Letícia Sabatella, pelo ator e multi-instrumentista Fernando Alves Pinto e
pelos músicos Paulo Braga e Zéli Silva. O espetáculo performático, que tem a
direção de Arrigo Barnabé, conta com músicas autorais de Sabatella, canções de
Chico Buarque, Colle Porter, Kurt Weill, Duke Ellington, Carlos Gardel e ainda
outras referências.
Gênero: Show
Duração: 70 minutos
Composições e voz: Letícia Sabatella
Serrote, trompete, violão e voz: Fernando Alves Pinto
Piano: Paulo Braga
Contrabaixo: Zéli Silva
Direção artística: Arrigo Barnabé
Figurino: Chrystyan Kishida
Desenho de luz: Wagner Pinto
Direção de arte: Gustavo Guimarães
Roadie: Surabhi
Programação visual: Wagner Pinto
OUÇA:Paroupupti
Duração: 70 minutos
Composições e voz: Letícia Sabatella
Serrote, trompete, violão e voz: Fernando Alves Pinto
Piano: Paulo Braga
Contrabaixo: Zéli Silva
Direção artística: Arrigo Barnabé
Figurino: Chrystyan Kishida
Desenho de luz: Wagner Pinto
Direção de arte: Gustavo Guimarães
Roadie: Surabhi
Programação visual: Wagner Pinto
OUÇA:Paroupupti
OUÇA TAMBÉM:
Letícia Sabatella - Tonteria
Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto - Non, Je Ne Regrette Rien
Nico Fidenco - Legata ad un granello di sabbia
As fotos me foram cedidas por Sonia Lucia Caldara Quintella