segunda-feira, 12 de junho de 2017

Deixe que digam, que pensem, que falem

Dia dos Namorados e você aí sozinha, como diria Fernando Sabino, puxando uma angustiazinha. Não. Espera aí! Não dá pra ser assim, não. Sozinha dá, o que não dá é pra puxar angústia por conta disso. Você não tá por aí naquela de achar que mais vale estar mal acompanhada do que só, não é?! Afinal, nada daquilo que nos violente de alguma maneira vale o desfile pelas ruas, pelas passarelas da vida com alguém a dar as mãos e entrelaçar os braços só para inglês ver ou para se enquadrar em ideais pré-estabelecidos de felicidade. O ideal romântico de amor ainda faz muitas vítimas entre nós.

Toda relação que, de alguma maneira, se mantém única e exclusivamente pelo medo de estar só, apesar de toda dor que causa, não vale a pena. Já parou para pensar na expressão valer a pena? Já pensou no significado de pena, de penar? Pois é! Há coisas que não valem o sofrimento que provocam. Não dá para passar a vida remendando a relação ou se submetendo porque o outro não a quer inteira, não a respeita inteira ou porque o outro não é inteiro com você. Quando isso a incomoda, quando  a fragmenta de alguma maneira, é preciso vencer o medo e romper.

Toda relação pode promover crescimento pessoal e amadurecimento, mesmo aquelas muito sofridas, mas por que estar juntos se, na hora do balanço, a relação causa mais dor e dependência do que traz felicidade, é uma pergunta a se fazer.

Quem na vida teve um amor intenso e teve que dele abrir mão para não se perder de si mesma, sabe bem do que estou falando. Acontece. Às vezes você tem certeza de que você quer uma pessoa ao seu lado a vida toda, quer aquele cheiro, aquele gosto, aquele abraço, aquele carinho, aquele diálogo de palavras não ditas na intimidade, mas aí se depara com diferenças e obstáculos intransponíveis para você: a existência de um cônjuge na vida do outro, a relativização da ética, a naturalização da mentira, a incompatibilidade de valores, a deslealdade recorrente e você tem que partir. Cada um tem o seu próprio limite. E o limite é o seu próprio bem-estar, a sua paz, o seu amor próprio. Na luta para a manutenção ou a realização de um relacionamento amoroso, não se pode correr o risco de romper com você mesma, este é um preço caro demais a se pagar.

Sair de um relacionamento desse tipo, não é fácil. E envolvimentos assim não são prerrogativas de um gênero em particular. Embora sejam mais evidenciados do lado feminino da força, homens e mulheres se envolvem nessas relações. Nesse exato momento, alguém vive esta situação. Já viu que não dá, que não tem cacife para bancar o preço que essa relação cobra e cobrará, se debate e quer sair. Dá impulso, se lança, se movimenta, mas ainda está no balanço, vai e volta, juntando forças e convicções para romper com esse embalo de vez. 

A pessoa geralmente não sabe, mas para desatar essa relação, ela está aguardando a morte da esperança. Sim, nesses casos, só é possível romper quando a esperança já não existe. Esperança de que as coisas mudem, de que os obstáculos sejam removidos, de que se fique mais forte para aceitar o inaceitável, de que o outro decida livremente escolher a relação, coisas que, enfim, você já sabe que não acontecerão. 

A existência do amor justifica sua demora na partida. Amor?! E quem ama desiste? Desiste! Muitos vão dizer e insistir que não. Julgam que o amor seja capaz de todas as aceitações, como se o amor não fosse um sentimento humano e se aceitar tudo fosse prova inequívoca de amar alguém. Abrir mão do ser amado é das coisas mais difíceis de fazer nessa vida. Quem ama também desiste. E desiste, sobretudo, diante de duas situações: quando a relação o submete e o anula ou quando, diante do desamor do outro, mesmo sofrendo e querendo proximidade, se afasta por sua dignidade e por respeito ao ser amado.

No primeiro caso, é uma escolha muito difícil de fazer, ainda que estritamente necessária. É preciso preservar a saúde emocional. A leitura de alguns livros podem nos ajudar a enxergar de maneira mais clara o que está acontecendo conosco. É o caso de "Mulheres que correm com os lobos", de Clarissa Pinkola Estés e de "Vasos sagrados", de Maria Inez do Espírito Santo, ambos da Editora Rocco. Nesses livros, as autoras, através de mitos, histórias e de suas interpretações, vão puxando devagarinho ou de pronto o fio da meada que faltava para o acesso ao seu inconsciente. Clarissa nos alerta que "existem elementos na psique de todo mundo que são traiçoeiros, trapaceiros e maravilhosos" e que "esses elementos são inimigos da conscientização". As relações que têm conflitos estruturais, em geral dão pistas de que algo não vai bem. Podem deixá-la desconfortável com você mesma, podem lhe conferir um quezinho de inadequação ou uma sensação de que a felicidade não é pra você. Bobagem, moça, você nasceu pra ser feliz e, eu bem sei que é um clichê, mas a vida é muito curtinha para achar que só existe uma rota para o bem-estar e o contentamento. Se nem sempre tudo está bem claro, procurar bons textos para o auxílio para a libertação daquilo que acarreta sofrimento é sempre uma boa pedida.

No segundo caso, o que fazer além de compreender o processo do outro e conservar sua própria dignidade? Atormentar o outro depois do término de um namoro/casamento ou qualquer que seja a configuração é cruel para as duas partes, além de prova inequívoca de imaturidade.

Em ambos os casos é fundamental amadurecer para não se entregar à cilada da vitimização. Quem se vitimiza não muda. Não reconhece os próprios erros e fica pela vida afora repetindo os padrões de relacionamentos. Exceto pelo uso da violência indefensável, somos nós que permitimos que o outro faça a nós aquilo que não desejamos pelas mais variadas razões. É preciso que nos responsabilizemos pelas nossas próprias vidas, pela nossa felicidade. Se tiver alguém pra somar, ótimo. Se não, tranquilo. Nas duas hipóteses, é dar a mão a nós mesmas e conquistarmos nosso quinhão de alegria nessa existência.

Voltando ao Dia dos Namorados, preciso confidenciar, estou namorando novamente. Sim! E está ótimo. É uma pessoa bacana, sabem? Dessas que não nos abandonam nunca, que estão conosco nos melhores e nos piores momentos de nossas vidas (está comigo sempre). Companhia fundamental e pra vida toda. Confesso, não estou apaixonada, trata-se de um amor maduro e equilibrado que vem sendo construído há anos, ainda que eu não houvesse percebido tamanha aproximação. Tudo se deu lentamente, é verdade que mais lentamente do que o desejável, mas enfim chegou o momento e tenho aproveitado. Estou namorando eu mesma. É claro que esse relacionamento comigo mesma tem lá as suas dificuldades. Há dias em que não me aguento, mas é normal, né?! Todas as relações têm seus altos e baixos. O fato é que tem valido a pena.

Sair desse namoro só se for para um namoro a quatro. Eu e eu mesma, o namorado e ele mesmo. Mais do que esses quatro não quero. Tem gente que gosta, que curte, que fica bem assim, eu não tenho nada contra, mas essa definitivamente não é a minha. Pra mim, em matéria de relacionamento, decisões desse porte têm que ser sempre consenso. Se não forem consenso não rola.

Eu sei, tem gente que não me entende. Sempre tem. Também tinha um montão de gente que não me entendia antes, e antes, e até antes de antes. Não dá para ficar ligando pra isso, não.  Nesse momento, escolhi a solitude, o que é muito diferente de solidão, e tenho estado feliz com ela. Se vai ter comemoração de Dia dos Namorados? Vai, sim, claro. Deixe que digam, que pensem, que falem. Tô comigo e não abro. Salute! Um brinde à felicidade!


   Sugestão de música para a ocasião:


8 comentários:

  1. Tá falando de mim, é? Você me representou em cada uma das palavras, linhas, parágrafos! Ainda bem que minha esperança não morreu...viveu em tempo de me permitir agir! Gratidão e um brinde ao dia dos namorados!!!!

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    1. Tintim, Ana!
      E vamos alegrar nossa existência.
      Obrigada pelo carinho de sempre.
      Beijoca.

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    2. Muito bom!Sem essa de ter alguém para satisfazer a qualquer coisa ou qualquer um menos a si.
      A primeira satisfação deve ser a nossas.

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    3. Mesmo porque, não é, Tânia, insatisfeitos como nos dedicaremos a alguém?
      Beijos, querida.

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    4. É isso menina. Já estava lá no livro "Papitoco procura um amigo" de Martha Rezende, que mostra desde a infância o caminho desse encontro do amor fundamental. Grata por citar "Vasos Sagrados". Beijos

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    5. Minha querida.
      Às vezes a gente se perde no caminho antes de encontrar esse amor essencial e "Vasos sagrados" pode ter um papel importantíssimo para que encontremos o caminho, para que se saiamos do labirinto e deixemos para trás relações e relacionamentos estéreis ou abusivos. É um livro encantado e encantador, uma grande contribuição, sobretudo, para o feminino.
      Beijo grande.

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  2. Adoro saber sobre esse seu auto amor. Ótimo texto... como sempre.❤
    Bjos
    Eliza

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