Não nasci em uma família de
leitores contumazes. Apesar disso, sempre tive incentivo para a leitura e para
os estudos. Os pais liam, mais jornais e notícias do que literatura, mas liam.
Digo liam, assim no passado, porque hoje com a tecnologia ao alcance das mãos,
leem mais e têm uma leitura mais diversificada também.
A memória pode nos trair algumas
vezes, então, é meio complicado saber exatamente quando foi que o interesse
pela leitura deu partida em minha história. Revirando o baú das lembranças, vou
encontrar lá longe, na terceira série do primeiro grau, era assim que se
falava, a Tia Magali. Era uma professora primária, de uma escola pública
estadual e que já inovava em seu modo de estimular os alunos. Com todas as limitações
que encontrava, promovia gincanas e desafios entre os estudantes para a
realização das tarefas e os prêmios eram, entre outras coisas, revistas
infantis e gibis. Meu primeiro prêmio significativo nessa séria brincadeira foi
uma revista “Nosso amiguinho”. O exemplar trazia uma historinha, bem como uma
narrativa lúdica sobre algum fato histórico. Essa é a primeira lembrança do
contato com textos que me despertaram o quero mais. O desejo por mais e mais
revistas daquele tipo nasceu daí.
A essa altura minha mãe, vendo
que eu gostava de ler, já providenciava uma ou outra coleção infantil para que
eu pudesse viajar nas páginas dos clássicos contos para crianças. Depois disso,
por ter uma irmã portadora de necessidades especiais e por isso representar uma
enorme dificuldade para a “aceitação” dela em escolas – naquele tempo não tinha
lei específica para isso – acabei por ser matriculada na Escola Viva, que já fazia a chamada educação inclusiva em melhores moldes que os de
hoje. Como a preocupação com a leitura fosse uma constante naquela escola,
havia uma série de eventos nesse sentido. O ponto alto desse incentivo era o trabalho
com alguns autores ao longo do ano e a presença de um deles na Feira Anual do livro.
O primeiro autor que me despertou
fascínio foi Carlos de Marigny. Tinha lido ”Detetives por acaso” e “Os
fantasmas da casa mal assombrada” e o sujeito escrevia de um jeito que me
acordava o interesse por mais e mais aventuras. Marigny foi o primeiro que me fascinou. Também
ele escreveu o primeiro livro em que embatuquei. Tínhamos leitura de férias e
o livro indicado para a minha turma era “A ilha das borboletas azuis”, eu
começava e recomeçava e começava de novo e não conseguia avançar na leitura. Já
quase no fim das férias, que eram longas, diga-se de passagem, consegui vencer
a dificuldade e adorei o texto, coisa que revivi algumas vezes no correr dos
anos. Há livros que não conseguimos ler de prima, é preciso insistir.
De lá pra cá, a vida seguiu seu
curso entre Pollyannas, O pequeno príncipe, O menino do dedo verde, É proibido
chorar até chegar a adolescência e eu fazer, o que seria na época, minha
primeira leitura clandestina. Um dia, no sótão de casa, descobri um livro que
tinha um título particularmente interessante. Não tive dúvidas. Passava horas
escondidinha lendo “O amante de Lady Chatterley”. E foi delicioso! Ri, chorei,
tive raiva, compreendi e devorei o livro encantada com a literatura pra gente
grande, que eu acabara de descortinar. O texto de D. H. Lawrence falava dos
conflitos humanos, das encruzilhadas da vida, das escolhas, das diferenças
entre as classes sociais e até de amor, desejo e sexo. Foi precisamente aí que me apaixonei pelos
dramas existenciais humanos.
Bem, mas por que estou falando de
tudo isso? É que hoje é o Dia Nacional do Escritor e eu me peguei pensando em
como foi que esses caras começaram a me interessar e fui buscar a minha vida de
leitora, fazer uma retrospectiva. Cheguei até aqui, mas uma questão me
inquieta: como nascem os nossos escritores favoritos? Para falar sobre eles,
preciso me lembrar dos tempos da faculdade.
Decidi fazer Letras depois de
muito tempo de amadurecimento, o que para muitos podia ser uma escolha óbvia,
para mim estava submersa entre as tantas vozes do mundo, entre tantas escolhas
possíveis. Nesse sentido, demorei a amadurecer. Passei muito tempo ouvindo as
vozes de fora, sem reconhecer as vozes internas. Por incrível que pareça, tive
a felicidade de conviver com alguns colegas que também iniciaram aquela faculdade
na mesma época da vida, cada um com sua história, claro. Minha turma era mesclada: havia os muito
jovens, os jovens e os mais maduros e isso era muito rico.
O afeto sempre teve um papel importante
para mim e, nos bancos acadêmicos, fui descobrindo pessoas que tinham, mais que
autores preferidos, uma relação afetiva com eles. Desse modo, fiz uma outra
leitura daqueles mesmos escritores a partir do olhar apaixonado de minhas
amigas. Nanci era encantada por Fernando Sabino, Isabela por Rubem Braga e
Claudia por Mário Quintana. Nanci lia o Fernando por entre as linhas de seus
textos, Isabela suspirava com a poesia presente nos escritos de Braga e Cláudia
era tão apaixonada por Quintana que sua mãe, percebendo isso, num gesto delicado de amor e
generosidade, fez uma jardineira de miosótis na janela do quarto da moça. E o
que têm os miosótis a ver com isso, hão de me perguntar. Bem, eles são nada
mais nada menos que as flores preferidas daquele poeta. Já pensaram nisso?! O
fato é que, depois de conhecê-las, gosto mais de Fernando, de Rubem e de
Quintana.
Embora apreciasse alguns
escritores e alguns até muito, ainda não tinha encontrado aquele que falaria
assim tão perto da minha maneira de sentir o mundo. Ainda não conhecia alguém
que fizesse ecoar a sua voz dentro de mim. Era 2000, eu tinha 28, começara a
faculdade e estava passando pela crise dos 30. É, passei por ela, mas adorei
fazer 40, vai entender. Procura daqui e lê dali, encontrei num site uma crônica
cujo título me interessara sobremaneira: “Fazer trinta anos”. Comecei a leitura
achando ser mais um texto sobre os 30 e fui descobrindo que era o texto sobre
os 30. E fui destacando frases, como de costume, “Fazer 30 anos, bem poderia
dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada”, “Quando alguém faz 30 anos,
não creiam que seja uma coisa fácil”, “Fazer 30 anos é como o mineiro vê pela
primeira vez o mar”, “Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no
tempo. E penetrar no tempo é mister de grande necessidade”, “Por isso é
necessário ter asas e sobre o abismo voar”. Aquelas palavras, bem naquele momento singular
de minha vida, ficaram reverberando em mim. Me encantei, claro, e reli em voz
alta e quis conhecer o que mais escrevia aquele autor. Affonso Romano de
Sant´Anna, o nome dele. E procurei textos e mais textos, e comprei livros, e li
crônicas, e li poemas, e li ensaios, e li críticas, e li teorias e o dividi com
os amigos e alguns amigos o repartiram comigo, e concordava e, vezes, até
discordava do que ele dizia, mas seus textos eram/são de suma importância pra
mim. Aquele homem era um manancial e eu estava fascinada. Não tive dúvidas e
passei a comprar “O Globo” aos sábados exclusivamente por conta do caderno “Prosa
e Verso”, u-ni-ca-men-te por conta do autor. Devo confessar que jamais perdoei aquele
jornal por tê-lo deixado de publicar.
Sem perceber, minha leitura de
mundo passava pela leitura de mundo daquele escritor, eu buscava nos jornais o
que ele estava pensando sobre determinado assunto, o que ele estava escrevendo
sobre o tema. Tinha nascido o afeto. Naturalmente, palavra por palavra foi
surgindo em caixa alta o MEU ESCRITOR PREDILETO.
Em 27 de março deste ano, Affonso
Romano fez 80 anos. Produzindo, adaptado às novidades tecnológicas, cheio de
inquietações e encantador como sempre. É bonito ver uma trajetória como a dele. Parabéns pra ele! Leio o mundo, a vida, as situações, as pessoas entre as linhas de muitos autores, mas Affonso é o cara que me ajudou/ajuda a ver
mais poesia no mundo, a respeitar meu tempo, a analisar as situações sobre
vários aspectos, a ver com clareza as regras nem sempre claras da nossa
sociedade. Affonso é o cara que me ajudou/ajuda a ler o mundo que, aliás, é o título
de um de seus livros, com mais serenidade, crônica e cronologicamente. E é por
isso que, com imenso respeito a todos os escritores do mundo, é pra ele que gostaria de desejar de modo especial Feliz Dia do Escritor! Feliz dia, Poeta! Feliz dia,
Professor!
E você já parou pra pensar como o seu escritor favorito chegou na sua vida? A quem felicitaria de modo especial nesta data?
FAZER 30 ANOS, de Affonso Romano de Sant´Anna
http://www.releituras.com/arsant_30anos.asp
OUTROS TEXTOS DO AUTOR:
O homem-bomba
https://www.facebook.com/estacaomarisebender/photos/a.1718157488501268.1073741829.1708697116113972/1718155915168092/?type=3&theater
Despir um corpo a primeira vez
https://www.facebook.com/estacaomarisebender/posts/1804460883204261:0
PROJETO RELEITURAS (vários textos de vários autores)
http://www.releituras.com/arsant_menu.asp
FAZER 30 ANOS, de Affonso Romano de Sant´Anna
http://www.releituras.com/arsant_30anos.asp
OUTROS TEXTOS DO AUTOR:
O homem-bomba
https://www.facebook.com/estacaomarisebender/photos/a.1718157488501268.1073741829.1708697116113972/1718155915168092/?type=3&theater
Despir um corpo a primeira vez
https://www.facebook.com/estacaomarisebender/posts/1804460883204261:0
PROJETO RELEITURAS (vários textos de vários autores)
http://www.releituras.com/arsant_menu.asp
Grande prazer o meu ler sobre todas estas tuas lembranças de livros... eu também amo os livros e os escritores, mas não tenho prediletos. Quem me marcou muito com suas letras foram Clarice Lispector e Gustave Flaubert, intenso com o seu A Educação Sentimental.
ResponderExcluirMinha querida. Que bom é também não ter um predileto. Affonso é aquele que fala mais perto, mas há tantos outros. Amo Clarice, sabe? Ela me desconcerta sempre e gosto disso. Fala umas verdades e me deixa meio atônita, me faz pensar, me sacode. Flaubert é um nome bom até de pronunciar, não é mesmo?E tantos, tantos outros. Adorei a presença e o carinho de sempre. Obrigada.
ExcluirMarise Bender, gostei muito de ler o seu texto e ir encontrando nele pontos de afinidade. Affonso Romano está também entre os meus escritores preferidos. Mas, lendo você, não pude deixar de me lembrar do que disse Charles Nodier: "Depois do prazer de possuir livros, não há quase nenhum mais doce do que falar deles." Mas me lembrei também de um texto belíssimo da nossa querida Marina Colasanti, "Como se fizesse um cavalo", o livro é uma pequena joia publicado pela Pulo do Gato. Não deixe de ler, você vai amar! O casal Affonso/Marina é mesmo uma dupla incomparável! Vou escrever mais, por e-mail, mas falta ainda dicer a você que continue. Seu blog está muito bacana! Um grande abraço e muito sucesso!
ResponderExcluirLuzia de Maria. Em primeiro lugar, muito obrigada pela leitura e pelo carinho em escrever. Gostei de saber que temos afinidades. E, sim, vou encomendar o livro de Marina e me deleitar mais um pouquinho. Obrigada também pela dica e também pelo incentivo. Esse negócio de transformar minhas sensações e leituras em letras é mais forte que eu, apesar da timidez que quem me conhece de pertinho já não mais consegue identificar.
ResponderExcluirUm forte abraço.