"O bom samba é uma forma de oração."
(Vinícius de Moraes)
Sou do tipo que procura estar em oração e confesso que as orações naturais são as minhas preferidas. Observar o sol nascer lentamente ou vê-lo se pôr anunciando o fim de mais uma etapa. Ouvir a canção das águas de uma cachoeira, o barulho incessante do mar. Escutar o canto do vento e dos pássaros. Ver o céu azul que nos chama à vida. Perder o olhar nas árvores em flor. Sentir o perfume da rosa recém-brotada no quintal. São todas formas de me conectar com o sublime, de transcender o automático e o cotidiano.
Pôr do sol no Leme - arquivo pessoal |
O
mar salgando meu corpo é paz. O chocalho das conchas voltando nas ondas na
beira da praia é louvor. A areia instável sob meus pés é lembrança de que a
vida é também mudança e variação, mas que se pode equilibrar. O
dourado do sol nas águas salgadas é pura iluminação. O pássaro que mergulha
para pescar é beleza. Os movimentos e sons harmônicos do oceano sugerem
meditação, encontro, conversa íntima com o Supremo, com o Criador, com Deus ou
com qualquer outro nome que o Bem possa ter.
A lua
nascendo é encantamento. O céu cheio de estrelas são infinitas possibilidades. Um entardecer cor de rosa ou alaranjado é o coração aquecido.
As nuvens formando figuras no céu são sonho. O verde contrastando com o azul é
graça. Pássaros voando são uma ode à autonomia. Fruta crescendo no pé,
alimento. Água fresca na fonte, refrigério.
As
orações naturais me acalmam e me levam à construção de minhas próprias orações.
Hoje o vento assovia nos fios e frestas. Sacode as janelas, desassossega as
folhas nas copas das árvores. O tempo cinza me diz que nem tudo é bonito, o ar
está pesado e a chuva está num-cai-não-cai inquietante. O dia me lembra
mudança, me diz que está do jeito que não é pra ser ou por outra, que ele pode
ser muito mais do que isso. Traz-me à lembrança as potencialidades e me faz
sonhar. Um dia cinza não é um ponto final, mas a véspera de um dia pródigo de
sol e alegria. Tudo hoje me faz pensar no tempo de espera e preparação. Lanço mão de um livro.
Vezes,
cerco-me de alguns outros tipos de oração: um poema, uma ida ao teatro, um
concerto, uma crônica, um romance arrebatador, a tranquilidade de uma igreja
vazia, um café com amigos, conversas com o filho, carinho dos pais. Sou do tipo
que reverencia a beleza, o afeto e a liberdade. Liberdade de oração, inclusive.
Tudo celebro, agradeço e peço nas mais variadas situações. Tudo o que apazigua
considero prece.
Rezar é
coisa subjetiva. Cada um tem seu jeito de se elevar, de sintonizar as forças
que equilibram o universo em busca do seu próprio equilíbrio. Muitas vezes
rezei ao volante, num gostoso bate-papo divinal estrada afora em busca de
soluções e de entendimento. Deus é simples e está em toda parte é bom não nos esquecermos
disso.