sábado, 21 de julho de 2018

Lâmpada maravilhosa


O Natal já havia passado e o Ano Velho ia já quase dobrando o Cabo da Boa Esperança.  Prenúncio de novidade. Ainda que o que houvesse de concretamente novo fosse apenas a mudança de uma data para a outra e a troca do calendário, era tempo de renovar também a fé a confiança em um futuro feliz. A data estabelecida para a troca de presentes já tinha passado, mas o desejo de presentear permanecia. Resolvemos nos encontrar para trocar, mais do que lembranças, o afeto que não nos falta e que nos é sempre muito caro.


Imagem disponível no Pixabay
Ele gosta de cerveja, eu prefiro café. Ele mora pertinho do mar e adora os encantos da serra. Eu moro na serra e me deixo inebriar pela maresia todas as vezes que posso. Somos diferentes, mas temos afinidades, ambos curtimos esse caleidoscópio que formamos. Bora pra uma cafeteria  que nos permite aproximar os paladares e celebrar o bem-querer agradando aos dois. Erguemos um brinde com cerveja e café, e recebi das mãos do meu amigo um pacote quadradinho o qual abri com gratidão e surpresa: era uma lâmpada. Não uma lâmpada qualquer, mas operada por Bluetooth, capaz de tocar músicas e de promover um verdadeiro festival de cores.

Papo em dia, abraço apertado pra recarregar as energias, despedida com gosto de até breve, fui para casa com o presente nas mãos, ainda meio cética de que ele fosse me encantar. Sou do tipo que fica feliz pelo simples fato de receber um mimo, seja lá o que ele for, mas até aquele momento, o objeto em questão era ainda uma luzinha recheada de promessas.

O Ano Novo chegou e com ele a oportunidade de estrear o presente. Experimentar coisas novas, particularmente aquelas que me são dadas por pessoas especiais, só com tempo e em momento apropriado para a devida apreciação. No momento ideal para curtir a novidade, escolhi uma música cheia de significado e zás! Conectei a lâmpada a um abajur e a pus em funcionamento. Para meu espanto, eu curti de imediato. Foi um banho de cores e ritmos, de som, de alegria - proporcionada não só pelo objeto, mas pelo carinho com que ele me foi dado. Foi como se, de repente, a casa toda tivesse sido aspergida pela magia do pó de pirlimpimpim e houvesse ali desembarcado uma nuvem de contentamento. A lâmpada havia trazido um bocado generoso de leveza.  

Resgatei aquela sensação deliciosa de criança que ganha o brinquedo favorito. Por que será que quando a gente cresce se esquece de brincar e das alegrias mais simples? Vibrei e cantei. E, diante do inesperado efeito do presente, a casa se encheu de gargalhadas e novidades: a família adorou a brincadeira. Inclusive a nova construção de sentidos de meu pai: - então, está ouvindo o abajur?! Frase maravilhosa que não passa despercebida àqueles que gostam de brincar com as palavras. É... todos ficamos iluminados. 

Amizade é isto: luz. É um tipo de relação genial, que segura as nossas barras e nos faz sorrir inocentemente, que enfrenta nossas ondas e marés e olha corajosamente as nossas tempestades, que entende os  nossos períodos de silêncio, que se divide conosco e que, às vezes, adivinha o que nos trará aquele tipo de felicidade miudinha, tão essencial para enfrentar as barras do dia a dia.  Música é dessas felicidades pequeninas que podem harmonizar um pouco mais a nossa vida. Ponto pro amigo que me deu o  luminoso presente!

Amizade é lâmpada maravilhosa, cuja magia está contida no amor, no bem-querer, no respeito e na liberdade. Amigo é feito gênio, não daquele tipo que realiza três pedidos, mas que, de perto ou de longe, modifica nossa vida pra melhor e enche a nossa caminhada de sentido.  Tal qual o título da canção que escolhi pra estrear meu presente: é trevo de quatro folhas. Sorte de quem tem.

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Trevo, uma música que me faz lembrar a amizade:
https://www.youtube.com/watch?v=kq1adq4KL90

terça-feira, 10 de julho de 2018

Felicidades bobas

Sou mulher de umas felicidades bobas. A gata brincando com a bolinha colorida espalhando o som do guizo pela casa. O café fresco perfumando o ambiente. A flor, presente de um amigo, brotando no jardim. Propostas de frutas no pé. Sabiás cantando em tardes de verão. O barulho do mar. A maresia. Uma noite de luar. O céu estrelado. O pôr do sol alaranjado no outono. O azul celeste no inverno. O fim de tarde em nuvens cor de rosa. O nascer do sol em qualquer estação.

Às vezes, alegro-me de um armário bem arrumado, de umas roupas distribuídas, de uns papéis rasgados. Outro dia me alegrei de sacar das gavetas as lembranças já sem importância de um relacionamento amoroso que se acabou em angústia. Deitar fora os antigos tesouros de uma relação que se perdeu tem textura semelhante à liberdade. Pode ser uma embalagem de perfume, um invólucro de um buquê de rosas, laços de fitas que vinham em presentes. Reminiscências que eram colecionadas para, de algum modo, fazer presente pessoa tão ausente. Há várias maneiras de constatar que uma falta deixou de ser sentida. Quando as “coleções de afetos” perdem o sentido, estamos diante de uma delas. A coleção se vai e deixa espaço e bem-estar do lado de fora e do lado de dentro também. Fica-se mais leve.

Sem mais nem menos, dia desses, me alegrei de um caldo. Começou simples, assim como quem não quer nada, descascando batatas salsa para pôr na sopa. Alho, cebola, tempero dourado no fundo da panela, alho poró. Creme. Sabor. Filho. Amigos. Gente querida. Mesa cheia. Suspiros denunciando delícia e satisfação. Conversa gostosa. Era pra ser um jantar, foi uma rodada de contentamento.

Num sábado, me alegrei de versos: fui ouvir poesia. No caminho para a Academia, a tarde ensolarada ia se despedindo em tons de vermelho. O sol peneirado pelas folhas das árvores da Praça da Liberdade convidava a fotos, cliquei. Depois de retratar a paisagem e em companhia de um amigo – e ter amigos que topam ouvir poesia em um sábado à tardinha é alegria imensa - perscrutei Bilac. Bingo! Felicidade tripla. Não deu outra: ouvi estrelas.

É bem verdade que nem sempre fui assim. Durante muito tempo, precisei de umas felicidades enormes que, curiosamente, pareciam balões de gás. Eram de extrema dificuldade para enchê-las e torná-las plenas, mas qualquer piquezinho, por menor que fosse, era capaz de esvaziá-las. Ser feliz era um cansaço. Um passeio de montanha russa. Desse sobe e desce não tenho saudade, o que eu quero mesmo é ser cada vez mais boba, dessa bobeira santa e redentora, que me faz feliz.

Felicidade é estar (e deixar-se) em paz.

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Publicado no Jornal Literário Dom Quixote em 02/08/2018, confira no link:
https://drive.google.com/file/d/1Pg5VfeV5wrkwWHECQa_qq6qVwFlncLir/view
Foto 1: Imagem disponível no Pixabay