Há coisas que insistem em acontecer em manhãs claras, ensolaradas, dessas que por si só ficam perpetuadas na memória da gente.
É nessas manhãs de todos os belos dias de sol que ocorrem continuadamente fatos que se despercebem pela força da rotina.
As pessoas caminham, passos firmes, determinados, com o claro propósito de chegar a seus mais diversos destinos, sejam eles a escola, o trabalho, ou simplesmente o completar de um exercício matinal. As gentes andam, correm, afobam-se taquicárdicas para evitar os atrasos... e num canto qualquer ele dorme. Num sono profundo, deitado nas calçadas, lá está ele adormecido. Sujo, magro, maltrapilho, a barba por fazer e ele não se importa com toda a correria que se passa a sua volta e descansa solenemente em praça pública.
Resolutos, prosseguimos e não paramos um só instante para pensar que por trás daquele corpo inerte, à deriva da vida cotidiana de toda uma cidade, há um homem, um nome, uma história... e ainda assim ele dorme. E não se importa com a sujeira da calçada ou mesmo em dividir seu leito sólido e árduo com um ou dois cachorros que se achegam.
Dorme. Dorme e repousa ignorando as campanhas dos políticos, as falácias da administração pública, as pregações nas igrejas, o estômago doído de fome. O que será que o trouxe até ali, que o deixou tão entregue às marés da vida? Será que teve um dia esperança? Ânimo? Qual será a sua história?
Há coisas que acontecem democraticamente em todas as manhãs, que tenham sol ou disponham da ausência dele. O que mudam não são os fatos, são os olhares. Um dia há um descortinar de olhos, um desvendar de mistérios e nos apercebemos de que o homem sempre esteve ali deitado à beira do caminho e, mais do que isso, que são vários os caminhos como também vários os homens. É um despertar doloroso porque, ao contrário daquele homem, não repousamos e vemos paulatinamente passar em nossa memória todos aqueles homens que não vimos. E vamos descobrindo que ele não é só, não tem um comportamento original. Bem ao seu lado há outro, mais adiante outro, em outra esquina outro.
Belo texto que infelizmente retrata um pouco de cada um de nós que somos "gente que passa indiferente", enquanto tem gente que precisa ser vista e tratada como gente.
ResponderExcluirCoisa boa saber que podemos parar nesta estação e pegar o trem da imaginação rumo a tantos horizontes perdidos de nossos pensamentos que, inavariavelmente, vagueiam por aí....vagueiam e retornam pra dentro de nós de novo, insensatos, impertinentes e sempre presentes. É isso aí, moça, vai lá longe e volta sempre, trazendo novidades do ser, da razão e da loucura...BjSSSSS Helô.
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