Para João Carlos de Miranda e
Rossana Rezende Rocha
Rossana Rezende Rocha
É sexta, fim de noite e a notícia chega cortando o coração: o amigo partiu. Dessas partidas sem jeito e definitivas para o território das hipóteses, como salienta Monteiro Lobato. A notícia chega de repente e, por mais que a esperasse a qualquer momento, foi um choque. Diante do fato, comento com meu filho: “Ah! Eu gostava tanto dele!” A resposta que recebi me pôs a pensar sobre a vida, sobre as relações, sobre a importância ou a passagem de alguém na vida da gente: “Curioso, mãe, só me lembro de você falar dele pra mim uma vez.”
O amigo era desses, não precisava
estar presente para ser querido e podia ficar anos a fio sem o menor contato. O
carinho restava intacto e se fazia manifesto à primeira troca de olhares em um
encontro casual.
Conheci o amigo em uma época
difícil de sua vida. Dinheiro curto, incertezas na profissão, um caminho de luz
a garimpar e a esperança de dias melhores brilhando no olhar. Esse era o cara.
Tinha sempre uma piada, um sorriso, uma alegria pra dividir e um jeito alegre e
divertido de contar os infortúnios.
A estrada iluminada foi
construída em caminhada firme ao longo dos anos e no estabelecimento de
parcerias no amor e na profissão, na dedicação dia após dia àquilo em que
acreditava. Daqui de onde eu o via, trilhava feliz, corajoso e agradecido o seu
caminho. Era uma pessoa humilde e solar, dessas que não se esquecem de onde
vieram e que fazem questão de dividir o sucesso pessoal professando diariamente
a simplicidade e espalhando sorrisos por onde quer que passe.
A partida de alguém jovem, no
auge de sua carreira e da felicidade em seu relacionamento afetivo, sempre soa
desconcertante. Parece fora do tom, um tanto desafinada, mas a vida é mesmo cheia de mistérios e não nos cabe questionar, apenas
sentir.
Na vida, muitas vezes nos afastamos de pessoas queridas por motivos vários, por mudança de planos, por oportunidades de trabalho, por mudança de endereço ou por muitas outras possibilidades. Vezes ela se incumbe de dificultar o convívio e tudo bem, o afastamento é pacífico e indolor. Não há saudade, não há planos para encontros, almoços nos fins de semana, chopinho no bar, nadica de nada. A vida vem, muda a nossa realidade, segue seu curso livremente e ficamos bem com isso. O curioso é que muitas vezes o bem querer não se altera, fica latente. Foi assim com a gente.
Em uma rede social, leio a
mensagem repleta de amorosidade escrita por sua esposa, mulher que conheço e admiro, agradecendo a Deus e a
ele pelo privilégio dos anos de partilha, de crescimento mútuo e do laço de
amor ainda mais estreitado na vigência da doença do companheiro. Coisa mais
inspiradora, no mundo das relações líquidas de que nos fala Bauman, o
testemunho de uma relação sólida e feliz em que o descarte não é possível nem
diante da dor ou da morte.
O amigo partiu e o que restou?
Restou a certeza de que há pessoas encantadas que passam pela vida da gente e
que nela, de alguma forma, se instalam por seu exemplo e pelo entusiasmo que
espalham. O amigo era assim, que siga em paz e continue na eternidade sua
missão de candeeiro. Por aqui fica a certeza de que tem gente que é mesmo para além das distâncias, para além do convívio diário.
Das delicadezas de Monteiro Lobato:
Imagem do lírio disponível em:
https://pixabay.com/pt/l%C3%ADrio-%C3%A1gua-flor-reflex%C3%A3o-branco-2097262/
Das delicadezas de Monteiro Lobato:
Arquivo pessoal - Piso da "Praça da Língua" - Museu da Língua Portuguesa - SP |
Imagem do lírio disponível em:
https://pixabay.com/pt/l%C3%ADrio-%C3%A1gua-flor-reflex%C3%A3o-branco-2097262/