(ou, do meu ponto de vista, o que é ser feliz)
"Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!"
(Mário Quintana)
Arquivo pessoal |
E no meio de um bate-papo, uma
pergunta: você é feliz? Ao que respondo imediatamente: hoje sou! Com variações
entre o inconformado e o curioso ele manda outra à queima-roupa: o que é ser
feliz pra você? A indagação me fez parar pra pensar, me levando a consultar os
retrovisores e a ponderar as razões para eu ter feito uma ressalva adverbial
logo de saída. Foi um questionamento nada simples e que não merecia uma
resposta pró-forma. Felicidade é coisa séria e a questão me fez reviver
momentos que têm tudo a ver com o meu conceito atual do que ela seja.
Explico-me. Durante muito tempo,
não fui minha melhor amiga. Não estava suficientemente perto de mim e não me
sabia ler de maneira competente. Míope,
não enxergava minhas qualidades e vislumbrava vultos que exacerbavam em demasia
meus defeitos. E nem é preciso dizer que ninguém é feliz submetendo sistematicamente
suas falhas a lentes de aumento. Parece
estranho, mas isso é coisa que acontece a muita gente e não tem nada a ver com
autocrítica, que é gênero de primeira necessidade.
O grande problema disso é que não
se enxergar com clareza ofusca a própria felicidade, assim como compromete a
sua elaboração. Com a visão pouco apurada e lendo mal minhas entrelinhas,
desconhecia minhas reais necessidades para viver bem. Pautava-me em muita
medida pela miragem. E miragem, a gente bem sabe, é algo impalpável e
inatingível. Não existe e ponto. É só
imaginação. Vemos miragens quando nossos sentidos nos enganam. A temperatura
sobe e a visão fica comprometida. Pode brotar no asfalto ou nos desertos que
muitas vezes percorremos ou perscrutamos. Paixões, ambições, desconhecimento,
entre outras coisas, podem aquecer a realidade o suficiente para que nossos sentidos
nos preguem peças.
Um pouco mais amadurecida, entendi
que, para alcançar a felicidade, autoconhecimento é tudo. É uma espécie de
óculos de que se precisa dispor. Felicidade é coisa que existe da boca pra
dentro, do lado avesso da pele. E se a gente não se enxergar, não rola. O modo como você se relaciona consigo mesmo e
com o mundo é uma espécie de ponto G da felicidade. O lado de fora tem mais ou
menos impacto em seu bem estar emocional, dependendo da maneira que você lida
com você mesmo ali no miudinho da vida. É como numa estrada: mapas, placas,
desenhos e orientações existem e servem para tornar o percurso mais fácil e
seguro, mas de nada ou muito pouco adiantarão se você não souber aonde quer
chegar, ou, nesse caso, o que lhe faz bem. Definir onde se quer estar é parte
fundamental da viagem. A partir daí, é preciso olhar para dentro de si com
coragem para acessar sua própria bússola. Para tomar conhecimento de onde estão
seus pontos cardeais e outros tantos mais. Talvez nunca saibamos tudo de nós e
talvez isso nem seja necessário, mas o principal, o que nos move e o que nos
paralisa, isso precisamos saber. Alguns já nascem com essa habilidade mais
desenvolvida, entendem logo pra que lado é o Norte e vão nessa. Não sou dessas,
tive que aprender o caminho e isso não rolou de primeira. Haja tentativa, erro e ilusão até descobrir o
que me faz feliz!
Evidentemente, mesmo sabendo um
tanto considerável de si, há sempre o risco de se perder no percurso, mas isso
se torna um evento menos provável e com consequências menos graves, quando se
conhece a sua própria natureza. Alguns desvios são inevitáveis, outros ricos e
até necessários, mas quando o desvio vira regra, transforma-se em transtorno e empecilho.
Descobrir logo cedo que não se
pode controlar tudo na vida é uma vantagem. Ponto pra quem consegue! Descobri
com algum atraso. Durante muito tempo, por ignorar muito de mim, andei pisando
pedras, julguei que precisava possuir certas coisas, que não precisava de
outras, enveredei por caminhos acidentados e me feri. Tudo isso pode ter sido
válido e foi. Me fez crescer e me deixou
mais forte. No entanto, a distância de mim mesma muitas vezes me deixava à
margem da felicidade, numa realidade próxima, mas não exata. E me fazia
experimentar a sensação de estar em uma montanha russa: feliz-triste-feliz-triste-triste,
tornando a tal felicidade mais acaso que destino e, portanto, angústia. Era um
tempo em que achava que ela tinha mais a ver com o que vinha de fora e não com
a maneira que eu tinha de lidar com a vida. Conhecer melhor a mim mesma pode não me dar garantias
de seguir sem imprevistos e acidentes e não dá mesmo, afinal há fatores
externos, óbvio. Contudo me mostra onde estão meus próprios abismos, o que me derruba,
o que me machuca, o que me põe em perigo e o que me cura, me protege e me salva.
Arquivo pessoal |
O que é felicidade para você? Ele
insistiu e eu despertei das minhas divagações, ponderando que essa é uma
pergunta que a gente deve se fazer logo no início da jornada. Posto que a vida
é trajeto, achei em tudo simbólico que tal questionamento me fosse feito num
carro em movimento no meio da estrada. Felicidade pra mim é estar em paz
com as próprias escolhas. É não esmurrar o irremissível. É estar pleno de si,
com todas as incompletudes, imperfeições e incertezas. É conservar-se aberto ao
aprendizado diariamente. É saber-se, sentir-se
e amar-se apesar de todas as situações adversas. É ser grato a tudo e a cada coisa, não porque gratidão está na moda ou porque isso pode ser uma barganha com o Universo, mas porque quem é grato vê/sente/vibra a vida mais bonita. É estar apaziguado com o passado
e com a realidade. É estar cercado de e distribuir afeto. É não abraçar nem dar as mãos ao
sofrimento. É buscar uma rota leve e solar. É estar pavimentando uma estrada
alegre, apesar das inevitáveis frustrações e tristezas. É seguir em paz e poder
curtir a viagem.