segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Refazimento

Quem sobe a rampa do pronto socorro do Bingen, pode nem imaginar que no lugar em que habita um belíssimo pé de manacá da serra, costumava morar um frondoso e produtivo abacateiro.

Em sua sombra, em dias de sol, descansavam funcionários sorridentes para fugir do calor. Em dias tristes, algumas famílias consolavam-se em torno dele das notícias ruins recebidas em um hospital. Era uma árvore acolhedora.

Nos fins de tarde, abrigo de passarinhos. Em seus galhos pulsava a vida, a seiva, sangue verde de fazer viver os vegetais.

Tentando ampliar o pátio, foram cercando a árvore com cimento e piche. Forte, ela não se rendeu. Permanecia produzindo frutos que, aquela altura, atingiam algum carros desavisados. 

Ela não agradou.

Condenada ao corte e sem ter para onde expandir suas raízes, virou um tronco-toco aparentemente apático. 

Mas, não sei se por mãos humanas ou pela proeza do bico de algum pássaro, foi parar naquele tronco o manacá da serra de que falei lá no início.

Este ano ele floresceu. Está ainda menino, um arbusto adolescente se tanto, mas floriu por todos os lados. E pulsa lilás e um pouco branco para celebrar a vida. Está lindo!

Não produz sombras, não dá abrigo, mas transborda flores e alegra espíritos, equilibrando-se entre uma canção de Gil e outra de Djavan. A vida é ciclo. Vezes inteiro,  outras interrompido. Cada ser tem seu espaço e seu tempo, mesmo que brote em lugares e circunstâncias improváveis.

domingo, 20 de agosto de 2023

Tempo e espaço navegando todos os sentidos


Devo confessar que fiquei um pouco borocochô com o final dado à novela "Vai na fé". Razão pela qual não consegui escrever sobre isso logo de saída.  Achei um tanto exagerada a dose empregada de mentiras nos últimos capítulos da trama. Mesmo pra mim que não perco um "Missão impossível" e tampouco um "Indiana Jones". Ainda bem que uma obra não se resume ao seu último capítulo!

Houve muita coisa boa exibida no trajeto. A valorização da diversidade foi destaque nessa obra de Rosane Svartman. Diversidade racial, sexual, religiosa, social, cultural. Falar de um plural tão presente, tão notório e tão notável em nosso dia a dia foi, desde sempre, sua marca registrada.

O uso do canto e da música para tornar visível e tátil os conflitos internos, os desejos, as dificuldades, o trabalho das personagens foi um recurso muito bem aproveitado do início ao fim. E, mesmo quando os intérpretes desafinaram, deram prova inconteste de que "no peito dos desafinados também bate um coração".

Aliás, entrei nesse texto para falar de um capítulo bastante significativo. Capítulo esse em que a passagem do tempo foi marcada pela maioria do elenco cantando "Tempo rei", de Gilberto Gil. Programadas para serem uma homenagem a Gil por seus robustos 81 anos de idade, as cenas presentearam a todos nós com a delicadeza necessária para nos lembrar que o tempo é soberano e que "tudo agora mesmo pode estar por um segundo".

E, por falar em fim, do término, tirei como ponto alto a ascensão das personagens negras e de origem pobre pela arte, pelo trabalho, pela fé e pela luta diária para a conquista dos sonhos e objetivos. "Vai na fé", sem dúvida, ofereceu referências fortes o suficiente para que elas se tornassem um espelho para a sociedade. Que o diga Clara Moneke.

Do último capítulo, posso dizer que achei de "mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto" em relação ao parto caricato da Guiga, que não gostei dos exageros em relação ao Theo (ele merecia ter sido preso antes daquele momento derradeiro), mas que gostei que tudo terminasse em celebração, que um buquê marcasse a união de três casais, que todos os caminhos conduzissem Sol até Ben (e vice-versa) e que houvesse um baita beijo e uma piscadela no final.

Graça, paz e axé!

Gosto muito de te ver


O que vou revelar hoje não chega a ser uma novidade para os que me conhecem.  Tampouco é
exclusividade minha. Muita gente experimenta esse mesmo sentimento. Caetano é meu crush.

Ontem o cantor chegou aos 81 com o charme dos oitentões do nosso tempo e a elegância que só quem viveu cada uma das idades que teve pode atingir.

A primeira vez que o vi, acelerei inteira numa autêntica reação de surpresa e admiração. Éramos três gerações da família na plateia e cada uma o sentiu a seu próprio modo. Aquele terno azul e impecável, um banquinho e um violão no Teatro Mecanizado do Quitandinha me fizeram descobrir acordes insondáveis. Foi graça, vida, força e luz.

Memórias com ele,  quem não as têm? Se pensar na minha linha do tempo, "Alegria, alegria" é a lembrança mais antiga.   Criança, cantarolava-a sem sequer supor o que seriam cardinales, mas a melodia e as rimas já haviam me arrebatado. Já adolescente, nos tempos das festas em que se ofereciam músicas às pretendidas, os alto-falantes do colégio chamaram o meu nome e dedicaram-me "shy moon". Fiquei verdadeira e adolescentemente encabulada. Alguém havia se declarado para mim. Mãe, costumava cantar músicas do compositor para embalar o sono do meu filho. Hoje eu o escuto sempre que desejo ensolarar a alma.

Outro dia,  ouvindo-o cantar com Roberto Carlos, comentávamos entre amigas, como está gostoso o Caetano! E rimos de nossas opiniões unânimes e ousadas.

Ele amadureceu, e isso é coisa fina. Muitos só envelhecem mesmo. Ele hoje canta ainda melhor, sabe de si, por isso mesmo, está um homem no esplendor da sua beleza. Salve a Bahia, que gerou e pariu um filho desse naipe!

Que venham outros aniversários, para que continuemos a beber Caetano na fonte e a nos embriagar!

domingo, 6 de agosto de 2023

BARBIE

Dia desses, fui ao shopping apanhar uns óculos que havia esquecido por lá e me deparei com 50 tons de rosa. Do bebê ao fúcsia a cada meia dúzia de pessoas com as quais eu cruzava pelos corredores..

No trabalho, as colegas estão todas animadas para a ida até o cinema. Também por  lá tivemos um dia de Barbie. Mulheres bem heterogêneas vestindo pink e desempenhando suas funções no mundo real.

Num encontro entre amigas na última sexta, fui provocada a assistir ao filme, sob a alegação de que era todo metafórico e de que era preciso ver para além dos símbolos e do plástico para poder se divertir.

Não bastasse tudo isso, no domingo, minha prima de apenas 13 anos estava indignada com as críticas ao filme alegando veementemente que a crítica não havia entendido o longa metragem.

Foi o que bastou: não havia outra opção que não fosse   me render à produção e comprar o ingresso para ver isso de perto.

A proposta é esta: reflexão pela via da diversão (no mais das vezes). O tempo todo o filme nos convoca ao riso, ao comentário, à gargalhada. Há tempo para sutilezas e emoções também. É preciso estar atento o tempo todo, sobretudo aos diálogos.

Desde as primeiras cenas é possível entender o desconforto daqueles que acreditam que o filme é contra a família e que o problematizam por equivocadas razões. O filme, realmente, não é para crianças.

Fui, vi, gostei. 

Do longa não dá para contar coisa alguma. Tudo é spoiler e não vale correr esse risco. Vale ver, sentir e sorrir, descobrindo o seu conteúdo uma cena após a outra.

Boa sessão!